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Sergio Amadeu da Silveira - Cidadania e Redes Digitais

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c i d a d a n i a e r e d e s d i g i t a i s<br />

O conhecimento que a informática e as telecomunicações estendem pelo mundo<br />

não é uma ferramenta de descrição <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de, mas de construção <strong>da</strong> mesma. Pelo dito<br />

conhecimento, ca<strong>da</strong> vez menos centralizado e mais periférico, procomun, estruturam-se<br />

novas formas de exercer-se poder sobre si mesmo e sobre os demais. Em um ambiente<br />

clássico de trocas presenciais entre seres humanos, a ética pode encontrar princípios<br />

definidos: “Ama a teu próximo como a ti mesmo”. O problema está no fato de que a<br />

ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia não está basea<strong>da</strong> na participação em um espaço físico comum. Nem as intervenções<br />

humanas têm a presença como condição. Já não serve uma ética ou política que<br />

nos diga como devemos tratar nosso próximo, nosso vizinho. As distâncias se anulam<br />

e o território se desterritorializa através do ciberespaço, ain<strong>da</strong> que momentaneamente 2 .<br />

Historicamente, o conceito de ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia tem estado vinculado ao conceito de<br />

espaço físico, de território compartilhado. Aristóteles afirmava que a pólis não pode<br />

se estender além do alcance <strong>da</strong> voz dos ci<strong>da</strong>dãos, pois sua essência é o diálogo democrático<br />

que se manifesta na ágora como ponto de encontro. Concor<strong>da</strong>mos com<br />

Aristóteles. Não há comuni<strong>da</strong>de em que não haja a possibili<strong>da</strong>de de diálogo. Outros<br />

exemplos aparecem ao longo <strong>da</strong> história. Os estados nacionais surgem na Europa a<br />

2. É interessante refletir sobre a suposta desterritorialização que supõe interagir através do ciberespaço.<br />

Em concordância com autores como André Lemos (2004, 2007), me inclino a pensar que realmente<br />

existe uma fase posterior de reterritorialização inerente ao dito processo. Em um artigo prévio<br />

(Bustamante, 2010a), defendia que um processo de virtualização é necessariamente um processo de<br />

desterritorialização. A apropriação social <strong>da</strong> tecnologia nos permite criar continuamente novas territoriali<strong>da</strong>des<br />

em um contexto de desterritorialização próprio <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de globaliza<strong>da</strong>. Lemos nos<br />

mostra como aparecem novos fenômenos desterritorializantes engendrados pelos meios digitais, pela<br />

flutuação <strong>da</strong>s fronteiras culturais e subjetivas, por movimentos de compreensão do espaço-tempo. A<br />

política se desterritorializa pela aparição de novos atores de poder. A economia se desterritorializa pela<br />

recolocação de capitais em paraísos fiscais, pela deslocalização do trabalhador em relação ao lugar de<br />

trabalho, <strong>da</strong>s fábricas em relação às sedes (headquarters) <strong>da</strong>s empresas. A cibercultura é, aparentemente,<br />

uma cultura <strong>da</strong> desterritorialização. Contudo, Lemos indica, muito acerta<strong>da</strong>mente, que a cibercultura<br />

não só deslocaliza, como também recoloca e cria novas formas de poder e controle. Surgem assim novas<br />

territorializações: mapeamento, controle, vigilância etc. As diásporas digitais (imigrantes conectados<br />

através <strong>da</strong>s redes sociais virtuais) criam novas formas de territorialização que desestabilizam as estruturas<br />

do poder, modificam a percepção <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de pessoal e, graças à interseção entre o ciberespaço e<br />

o espaço urbano, transformam a significação <strong>da</strong>s ci<strong>da</strong>des contemporâneas. As distinções entre espaço<br />

público e privado invertem seus papéis. Um internauta fechado em sua casa e conectado a diferentes<br />

comuni<strong>da</strong>des virtuais pode viver aberto para o mundo por interações nômades e diaspóricas. Pode ser,<br />

nos termos de Javier Echeverría, um cosmopolita doméstico, ain<strong>da</strong> que a ágora, paradigma do espaço<br />

público <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de como ponto de encontro e assembleia, possa se converter para ele em um espaço de<br />

absoluto anonimato e isolamento, onde não conhece ninguém e com quem na<strong>da</strong> quer compartilhar. A<br />

ideia do ciberespaço como desconexão <strong>da</strong> dimensão físico-espacial é para Lemos e também para mim<br />

uma ideia exagera<strong>da</strong> (Bustamante, 2010a).<br />

21<br />

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