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contos lauro ferrao

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102<br />

Meu coração ficou na curva do Rio Paranaíba<br />

lamente, inocentemente e ausentes da tragédia prestes a<br />

acontecer. Olhei para cima e vi o bombardeiro americano<br />

B-29, o Enola Gay se aproximando.<br />

Naquele momento, estavam na minha frente umas<br />

crianças brincando perto de um grande prédio. Imediatamente,<br />

fui procurando uma coluna larga e forte que poderia<br />

resistir ao impacto da explosão. Encontrei uma de concreto,<br />

com mais de dois metros de largura, achei que tivesse a<br />

resistência necessária. Reuni as crianças do lado oposto do<br />

hipocentro e aguardei a revelação.<br />

Vi no céu a Little Boy, como ficou chamada a bomba<br />

A, saindo do B-29, descendo em alta velocidade. Fechei os<br />

olhos e aconselhei as crianças a fazerem o mesmo. Assustadas,<br />

elas foram, aos poucos, obedecendo-me. Passaramse<br />

uns 45 segundos. Depois de imaginar que ela chegou<br />

ao solo, ouviu-se um ringir, comparado a um irritante<br />

som da unha riscando o quadro-negro, um som extremamente<br />

desagradável e aterrorizante para mim. Logo após,<br />

o estrondo seguido do clarão cegante. Em seguida, veio<br />

a expansão de grande pressão varrendo tudo pela frente.<br />

Senti que a coluna estava resistindo.<br />

Fitei os olhos das crianças assuntadas por não saber<br />

o que estava acontecendo. Tentei acalmá-las com gestos<br />

carinhosos, sem sucesso. Vi uma água escorrendo entre<br />

os prédios, vindo em nossa direção. Percebi que estava<br />

descalço e, com medo de que aquela água estivesse contaminada,<br />

fui procurando uma posição mais elevada. Senti<br />

que a minha missão estava cumprida da melhor forma<br />

possível.<br />

Acordei transpirando e assustado. Imaginei que,<br />

no pesadelo, eu fora uma espécie de anjo da guarda.<br />

Mas, calculando as minhas ações, concluí que elas desenrolaram-se<br />

sem escolha. Não estava ali predeterminado<br />

para salvar as pessoas que não tivessem pecado, fui<br />

para amparar todas que pudesse e conseguisse. Concluí<br />

que, no meu subconsciente, não estou discriminando os<br />

bons dos maus. Penso que todos nós somos filhos do<br />

Criador. Principalmente, no desespero da explosão de<br />

uma bomba atômica.

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