contos lauro ferrao

CRÔNICAS E CONTOS 51
nas cidades grandes, ficam jogados, ninguém liga e eles
ficam nas portas das lojas fazendo gracejos nas calçadas,
dançando ao som das músicas tocadas nos aparelhos que
estão expostos à venda. De vez em quando, ficam agressivos
e, assim, algum órgão de saúde os recolhem para
providenciar um tratamento.
Com certeza, todas as cidades têm os seus loucos.
Os nomes são variados, alguns pitorescos, como Pé de
pato, Arara, Ambrósio e muitos outros. Existem, ainda,
os doidos mais excêntricos, as pessoas afirmam que eles
ficam dementes em consequência de muitos estudos,
justificando a máxima popular: “Ficou doido de tanto
estudar”.
Pardal, um morador de minha cidade, era considerado
maluco, porque leu e estudou tanto que ficou doido
de pedra. Eu, ainda menino, gostava de vê-lo contando
coisas da natureza, novidades da ciência e até experiências
de Física. Mais tarde, descobri que ele decorava tudo isso de
uma enciclopédia.
Ele era, também, o terror dos comícios, os políticos se
precaviam mandando um segurança verificar a presença
dele na plateia. A constatação de que ele estava, era motivo
de uma mobilização para tirá-lo do local antes do discurso
principal.
Todas as vezes que algum político discursava, ele
começava a criticar em voz alta, corrigindo os deslizes
cometidos em relação às normas gramaticais, deixando o
orador em situação constrangedora.
Até o padre Salazar se sentia incomodado com Pardal.
Durante as missas, era providencial colocar alguém ao seu
lado para cutucá-lo se ele interferisse nos ritos litúrgicos.
Um dia, o padre estava ensinando catecismo para
nós no salão paroquial, quando o Pardal entrou. Toda a
criançada ficou atenta. O sacerdote procurou com o olhar
algum adulto para controlá-lo e nada de aparecer. Foi
quando Pardal interferiu perguntando:
– A igreja é a casa de Deus?
– É claro, Pardal! Aqui é a casa do Senhor.
– E Deus é o Senhor de todas as coisas?