12.01.2017 Views

contos lauro ferrao

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

CRÔNICAS E CONTOS 73<br />

– Eu amo tanto este rio que foge de mim os limites. Eu<br />

quero morrer neste rio.<br />

– Que bobagem Paranaíba, falar em morte nessa hora,<br />

cheio de saúde e levando um vidão que pediu a Deus –<br />

contemporizou Alcides.<br />

– Tenho em vocês os meus melhores amigos, porque<br />

amigo é mais importante que irmão. Irmão a gente não<br />

escolhe, mas amigo sim. E vocês são daqui do fundo do<br />

meu coração – explicou João Paranaíba.<br />

– Você hoje está estranho, falando como se estivesse se<br />

despedindo. Papo mais careta – deu a bronca o Mário.<br />

Vale lembrar que Paranaíba era uma figura, ele<br />

mesmo se identificava como um filósofo popular. Não tinha<br />

nada de filosofia, havia sim grandes gozações com frase de<br />

para-choque de caminhão. Nunca trabalhou, casado com a<br />

enfermeira Amélia, que assumia todas as despesas da casa,<br />

era na verdade um bon vivant.<br />

Os amigos gostavam de convidá-lo para as festas,<br />

porque ele era só alegria, contava piadas e tinha sempre<br />

novas frases engraçadas que tornava o ambiente alegre<br />

e descontraído, tais como: “Um homem sem chifre é um<br />

animal indefeso.” ou “O cachorro só é amigo do homem,<br />

porque não conhece dinheiro.” Eis por que se considerava<br />

filósofo popular. No entanto, naquele momento, Paranaíba<br />

estava introspectivo, pensativo e sentimental. Falando<br />

muito de amizade e do seu amor pelo rio.<br />

Estava tarde da noite, já haviam bebido muitas<br />

cervejas, quando Paranaíba começou a ter um ataque,<br />

torceu o pescoço, virou os olhos e foi deitando-se lentamente<br />

para trás, derramando a cerveja no peito. Os amigos<br />

assustaram-se.<br />

– Que é isso Paranaíba, o que você está sentindo?<br />

Ele não respondeu. Ficou ali quieto imóvel. Os dois<br />

entreolharam-se e assustados tentaram levantá-lo. Inútil,<br />

estava mole, inerte, calado, quem sabe morto. Apalparam o<br />

seu coração e pulso e, finalmente, chegaram à conclusão de<br />

que ele estava morto. Foi um infarto fulminante!<br />

Ficaram ali os dois, em pé, olhando o corpo estendido<br />

sem saber o que fazer. A cumplicidade foi tomando conta

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!