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84 Meu coração ficou na curva do Rio Paranaíba Senhor é convosco, vem a nós bendita sois vós... que salada, meu Deus! Eu sei rezar, eu juro, é que estou nervoso, assim não dá para concentrar. Será que depois da morte eu vou ver este mundo? Quantas coisas eu fiz neste mundo, boas, ruins, mas uma coisa é certa, não prejudiquei ninguém. A mente desfolha um livro de aventura. O inconsciente calcula as possibilidades de salvação. Se pelo menos a mente ajudasse, haveria melhor chance. O negrume do céu surge em espaço sem fim, dando a sensação de um cometa perdido no infinito. Um corpo, uma mente, um inconsciente, um espírito dominando uma máquina em luta contra massas elétricas incontroláveis. Raios e trovões já foram, por muitos, adorados como deuses. Mais uma vez pensa em voz alta: – Por que medo? Já passei muitos perigos, me lembro quando o Seu Júlio me flagrou com a Maurinha, com um tremendo 38 no meu peito. Tive coragem e consciência de dizer que a amava. Eu amo muito a minha vida também. Nos treinamentos, ele foi condicionado para suportar qualquer situação perigosa. Acidentes simulados, pane simulada e outros exercícios que colocariam a sua vida em perigo, mas nunca esteve em uma tempestade de verdade. Aquilo tudo está revirando por dentro, a sua mente, o avião, a sua alma, sua memória e até a sua moral, por isso repete com imensa convicção: – Eu volto, não sei como, mas volto. Voltar é viver. Voltar de uma batalha sem glórias, de uma bebedeira de cachaça, de um amor final, nada é desgraça, porque o importante é voltar. Está entre o céu e a terra, numa horizontal de ferro e fogo. Pode ser ali o fim de tudo, quando os fracos e os fortes perdem o rumo. Dedos firmes, olhos acesos, mente atenta, a sua vida está em suas próprias mãos. Se “errar é humano”, naquele momento seria desumano. Ali se errar, morre. Nessa hora, o avião se torna humano, as asas são prolongamentos de seus braços, o motor o coração e ele é a própria mente que envia os comandos para todas as partes do avião. As asas recebem
CRÔNICAS E CONTOS 85 os baques do vento e fazem girar forte o manche que ele sente nos braços. O motor ronca e seu coração acelera. A calda do avião joga com movimentos bruscos fazendo as suas nádegas se contorcerem no banco. Nesse momento, ele está cego por causa da escuridão, mas está vendo por dentro. A visão de dentro é uma psicanálise completa dos sentimentos recalcados. Naquele momento, recorda os traumas e tenta organizar, em seu arquivo memorial, os choques emocionais da sua existência. Esse balanço visa, também, à prestação de conta com uma força superior. O amor à vida cresce na mente, tornando-o um animal acuado, enfrentando a morte com todas as garras, quando um pequeno clarão à sua frente vai surgindo, ali está a vida, é o sol derretendo as nuvens, é a vida. Com grande ansiedade dirige o avião àquela direção. Um calafrio percorre sua espinha e o coração bate mais forte. Aquele sol é o que mais deseja no mundo. Cruza a fenda da nuvem e o para-brisa do avião recebe os primeiros raios de sol. Aliviado ele exclama: – Obrigado meu Deus! – E começa a chorar.
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Notas Dedico este livro ao meu pai
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© Copyright 2014, Lauro Ferrão Me
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O escritor e suas vítimas Lauro Fe
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Sumário CRÔNICAS E CONTOS........
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