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CRÔNICAS E CONTOS 47<br />
inteira ficou sabendo da história. Alguns vinham compartilhar<br />
com solidariedade o seu martírio, mas a maioria<br />
queria mesmo era fazer gozação. Logo arrumaram para ele<br />
o apelido de Toninho Dondoca.<br />
A partir daí, o sofrimento do garoto se intensificou,<br />
era como levar uma pedrada quando alguém gritava o seu<br />
apelido maldito: “Toninho Dondoca”.<br />
Depois de um ano nessa luta tentando enganar a<br />
mãe, Toninho conseguiu uma vitória. De tanto pedir, a<br />
mãe atendeu, ele podia sair com o vestido por cima de<br />
uma calça. Assim, ficou mais fácil. Saía do portão para fora<br />
e já tirava o vestido, ficando com a calça e a camiseta que<br />
estava debaixo, guardando o vestido na mochila para vestir<br />
na volta. No entanto, todo o dia era a mesma coisa. Ela<br />
explicava que a honra da família tinha que ser lavada com<br />
sangue. Essa era a sua principal preocupação.<br />
Toninho tinha quatorze anos quando, certo dia, estava<br />
estudando enquanto sua mãe costurava, mas, de repente,<br />
ela parou, olhou para o lustre no teto e foi virando os olhos<br />
aos poucos, caindo para o lado e esparramou-se no chão.<br />
Toninho achou estranho, veio correndo, ajoelhou-se ao seu<br />
lado e com a ponta do vestido foi limpando a face suada da<br />
mãe já sem vida.<br />
Estava novamente o Toninho sentado no tamborete,<br />
agora ao lado do caixão da mãe. Os seus pensamentos<br />
ficaram perdidos entre o passado e o presente. Veio a<br />
tristeza da perda de outro ente querido, mas no fundo veio<br />
uma ponta de alívio da opressão. Agora não precisava mais<br />
usar o vestido, nem matar o Zé Pereira e o apelido maldito<br />
de Toninho Dondoca poderia ser esquecido.<br />
Respirou profundamente, olhou para o alto e deixou<br />
tudo nas mãos de Deus.