Comum Modernização para quem? Após aprovação de novas legislações trabalhistas, o futuro do trabalhador brasileiro é incerto. Texto: Priscila Santos e Ticiane Alves Foto: Paula Locher Arte: Fred Alves
B* trabalha como funcionário terceirizado há mais de 10 anos para empresas que prestam serviços à Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop). Segundo ele, é comum que essas empresas decretem falência, deixando os funcionários sem receber seus direitos. B* sente-se prejudicado por não ter estabilidade em seu trabalho, por não possuir diálogo direto com a empresa e por trabalhar em condições precarizadas, sem equipamentos adequados. Além disso, conta que em sua última contratação teve seu cargo rebaixado, diminuindo, assim, o seu salário. “Me mudaram de cargo, meu salário caiu. Falaram que se eu quisesse continuar ia ser assim, porque tem muita gente lá fora para pegar minha vaga”. A doula Laura Muller se viu obrigada a pedir demissão de uma empresa no sul do Brasil, na qual trabalhou por quatro anos, após a instituição não concordar em flexibilizar os horários dela quando voltou da licença maternidade. Laura precisava ficar com o filho e não podia trabalhar em horários noturnos, nos quais não havia funcionamento de creches, direito que lhe foi vetado usufruir. Essas são situações que todo mundo conhece. Desde o impeachment que afastou a presidenta eleita Dilma Rousseff, em 2016, algumas medidas controversas foram aprovadas pelo Congresso Nacional, danificando direitos e legalizando práticas já muito presentes no nosso cotidiano, que beneficiam os patrões e, consequentemente, prejudicam o trabalhador. As perspectivas de trabalho dos brasileiros sofreram grandes mudanças em 2017 com a aprovação da Lei da Terceirização e do Projeto de Lei da Câmara da Reforma Trabalhista, em março e julho respectivamente. As informações disponibilizadas na página do Planalto mostram que as modificações proporcionadas por essas reformas mexem com pontos históricos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) referentes à contratos, férias, horas de trabalho, e criam medidas para regulamentar as atividades dos trabalhadores terceirizados. Antes, as empresas só podiam terceirizar as funções que não representassem as principais atividades da instituição, de acordo com a lei brasileira. Agora todas as atividades de uma empresa privada e algumas atividades do setor público poderão ser terceirizadas. O 10º. artigo da lei determina que “qualquer que seja o ramo da empresa tomadora de serviços, não existe vínculo de emprego entre ela e os trabalhadores contratados pelas empresas de trabalho temporário”. Portanto, a previsão é que uma enorme parcela dos trabalhadores perca o vínculo empregatício direto e passe a exercer suas funções sob um novo regime sem estabilidade. Os parágrafos desse artigo explicam que os contratos de trabalho temporário com um mesmo empregador poderão ser estabelecidos pelo prazo de 180 dias, com possibilidade de renovação, substituindo o limite de 90 dias da lei anterior. A condição de inexistência de vínculo empregatício entre a empresa tomadora de serviço e o empregado terceirizado colocará este em situação de vulnerabilidade quanto às responsabilidades trabalhistas do contratante. A aprovação da Reforma Trabalhista seguiu discursos que defendem a modernização da CLT, bem como a garantia de seguridade jurídica para os empregadores. Órgãos como a Federação Brasileira dos Bancos (FEBRABAN) e Federação das Indústrias de São Paulo (FIESP) criaram cartilhas e notas oficias nomeando a Reforma de “modernização trabalhista”. O advogado da Federação das Indústrias de Minas Gerais (FIEMG), Gustavo Lemos, acredita nisso: “Nós temos a posição de que ela é muito positiva, esperada e necessária, porque as relações trabalhistas já vêm engessadas há muitos anos. A CLT é de 1943, de uma época em que os trabalhadores eram de âmbito rural e hoje isso mudou”. O advogado acredita, também, que existia a necessidade de tornar as relações de trabalho benéficas para as duas partes, além de fazer com que os empresários se interessem mais em investir: “As relações não podem ser boas só para um lado. Hoje não tem mais isso de empregado que não sabe das leis, patrões que massacram os empregados. A lei trabalhista antiga é muito rígida e não flexibiliza nada. Essa flexibilização vai estimular empresas a quererem investir aqui, consequentemente haverá empregos. Hoje o empresariado tem medo de investir na economia brasileira”, ele afirma. Uma das críticas feitas a todas essas mudanças na legislação trabalhista brasileira é a falta de diálogo com a população. Na consulta pública realizada na página oficial do Senado, o PL da Reforma foi rejeitado por mais de 172.168 brasileiros, contra 16.791 que disseram sim a ele. A Lei da Terceirização foi aprovada pelo congresso, mesmo tendo obtido apenas 8.894 votos populares a favor, contra 49.621 que votaram não. Me mudaram de cargo, meu salário caiu. Falaram que se eu quisesse continuar ia ser assim porque tem muita gente lá fora para pegar minha vaga. B* CURINGA | EDIÇÃO <strong>22</strong> 29