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Revista Apólice #210

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entrevista | Gustavo Cunha Mello<br />

do que todo ferramental matemático e<br />

arcabouço estatístico do processo de<br />

gerenciamento de risco.<br />

APÓLICE: Como o gerenciamento de<br />

risco pode ajudar as seguradoras?<br />

Gustavo Cunha Mello: Da mesma<br />

forma como em mercados maduros. Se<br />

você tem uma empresa com um risco declinável<br />

(colchão, plástico, supermercado,<br />

madeira etc) com um bom processo de<br />

gerenciamento de risco, você consegue<br />

definir o seu risco, sabendo como ele é e<br />

funciona. A forma de lidar com o risco<br />

do empresário é diferente. Ele deixaria<br />

de ser um risco declinável para ser um<br />

altamente segurável, com qualidade de<br />

informação. Infelizmente, não temos<br />

mão-de-obra suficiente no Brasil para<br />

avaliar este tipo de coisa.<br />

APÓLICE: Há uma série de riscos declináveis<br />

que ninguém quer, mas o mercado<br />

não trabalha para torná-los aceitáveis.<br />

Gustavo Cunha Mello: Este é o<br />

meu trabalho diário. É preciso encontrar<br />

um empresário que queira pagar este<br />

serviço, que são poucos, porque não é<br />

barato, tem que encontrar um subscritor<br />

de risco e uma seguradora com vivência<br />

empresarial. A maioria das seguradoras<br />

faz apenas o básico por falta de mão-de-<br />

-obra. Falta gente preparada para tomar<br />

as decisões certas. Por medo de tomar<br />

decisões erradas, as pessoas preferem<br />

não aceitar o risco. Este é um retrato de<br />

hoje, mas no longo prazo acredito que<br />

vá melhorar e a gente vai se aproximar<br />

dos mercados maduros, onde existem<br />

pessoas com visão de gerenciamento de<br />

risco. Quando se tem um bom relatório<br />

de análise de risco de um segurado, é<br />

melhor do que outros riscos que eu aceito<br />

de olhos fechados na massa.<br />

APÓLICE: Você acha que pode vir uma<br />

nova geração de gerentes de riscos mais<br />

bem formados, usando novas tecnologias<br />

para executar o trabalho?<br />

Gustavo Cunha Mello: Eu não vejo<br />

ninguém se inscrever nas faculdades de<br />

engenharia com foco no gerenciamento<br />

de risco. São pouquíssimos profissionais.<br />

Este é um desafio que nós temos, de<br />

convencer os mais jovens e tentar formar<br />

8<br />

pessoas mais gabaritadas. O movimento<br />

que enxergamos hoje é de seguradoras<br />

deixando os grandes riscos e focando<br />

nos produtos de varejo. Estes não são<br />

demandantes de gerenciamento de riscos.<br />

A preocupação é outra.<br />

APÓLICE: A condição da economia tem<br />

reflexos na contratação dos seguros?<br />

Gustavo Cunha Mello: A condição<br />

econômica reflete na preocupação de<br />

fazer seguros melhores. Aquele sujeito<br />

que teve um sinistro, perdeu seu negócio,<br />

ele se preocupa em fazer um bom gerenciamento<br />

de risco. O melhor segurado é<br />

aquele que acabou de pegar fogo. Ele está<br />

“ As pessoas talvez<br />

não percebam que<br />

o gerenciamento<br />

de risco é uma<br />

metodologia<br />

científica, com<br />

uma série de<br />

ferramentas<br />

matemáticas para<br />

levar a uma tomada<br />

de decisão”<br />

com medo e vai investir em soluções que<br />

tornem o negócio dele melhor.<br />

APÓLICE: Esta situação econômica<br />

pode motivar as fraudes ou menos cuidados<br />

com os riscos?<br />

Gustavo Cunha Mello: Não vejo a<br />

sinistralidade aumentar, mas percebemos<br />

a imprensa mais atenta e a população<br />

mais preocupada, porque ninguém<br />

quer um sinistro perto de casa. Alguns<br />

sinistros foram muito grandes, como o<br />

do Porto de Santos e chamam muito a<br />

atenção, como a Samarco. Não acredito<br />

muito em fraudes porque o seguro jamais<br />

vai dar lucro para o sujeito. O empresário<br />

sempre perde dinheiro, mesmo tendo<br />

seguro, porque existe depreciação, o<br />

estoque é pago pelo valor de custo, há<br />

muita burocracia para receber, demora<br />

para reconstruir a planta e voltar ao<br />

mercado. Um exemplo, a CSN teve em<br />

2006 a explosão do autoforno número<br />

3, com dano material de R$ 70 milhões.<br />

Ela reconstruiu o autoforno em seis meses.<br />

Só a obra e o tempo parado fez ela<br />

perder 40% da receita, que chegou a ter<br />

mais de R$ 400 milhões de prejuízo. O<br />

segurado sempre perde dinheiro com o<br />

sinistro. Cabe ao mercado mostrar isso<br />

a ele, porque enxergo pouca cultura do<br />

brasileiro em relação ao gerenciamento<br />

de risco. O dono da empresa está preocupado<br />

com as vendas, com a situação<br />

do mercado, com o marketing, mas esquece<br />

de olhar o para-raio, o quadro de<br />

luz, a parte elétrica, a manutenção dos<br />

hidrantes e mangueiras de incêndio. Não<br />

generalizando, mas enxergo mais falta de<br />

cuidado com o que não faz parte do core<br />

business da empresa, mas não é fraude.<br />

No automóvel, temos um perfil que se<br />

preocupa se o sujeito para em garagens,<br />

tem multa etc. Devíamos ter a mesma<br />

coisa no seguro empresarial, porque isso<br />

colaboraria para cuidar do seu gerenciamento<br />

de risco e ser premiado por isso.<br />

APÓLICE: Em um sinistro de grandes<br />

proporções, com grande repercussão, aumenta<br />

de alguma forma a preocupação<br />

das pessoas e consequente procura pela<br />

proteção dos riscos?<br />

Gustavo Cunha Mello: A imprensa<br />

é a maior contribuinte para a venda de<br />

seguro no Brasil. Quando acidentes como<br />

o da Samarco ou Porto de Santos acontecem,<br />

faz com que as pessoas comecem a<br />

se preocupar nos mais diversos segmentos<br />

do mercado. Eu sinto isso no meu<br />

dia-a-dia, porque sou mais consultado.<br />

As pessoas se lembram dos riscos, têm<br />

medo de que algo aconteça. De acordo<br />

com o antropólogo Clemente Nóbrega, a<br />

cabeça do ser humano só presta atenção<br />

em três coisas: sexo, comida e medo. Isso<br />

porque o nosso DNA, desde o tempo das<br />

cavernas, pensa nestes três itens para a<br />

sua sobrevivência. Quando recebemos 30<br />

mil propagandas em média por dia, nosso<br />

cérebro filtra esta informação. Quando é<br />

alguma coisa que desperta o medo, ela<br />

chama atenção. O medo faz com que as<br />

pessoas tomem cuidados.

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