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entrevista | Gustavo Cunha Mello<br />
do que todo ferramental matemático e<br />
arcabouço estatístico do processo de<br />
gerenciamento de risco.<br />
APÓLICE: Como o gerenciamento de<br />
risco pode ajudar as seguradoras?<br />
Gustavo Cunha Mello: Da mesma<br />
forma como em mercados maduros. Se<br />
você tem uma empresa com um risco declinável<br />
(colchão, plástico, supermercado,<br />
madeira etc) com um bom processo de<br />
gerenciamento de risco, você consegue<br />
definir o seu risco, sabendo como ele é e<br />
funciona. A forma de lidar com o risco<br />
do empresário é diferente. Ele deixaria<br />
de ser um risco declinável para ser um<br />
altamente segurável, com qualidade de<br />
informação. Infelizmente, não temos<br />
mão-de-obra suficiente no Brasil para<br />
avaliar este tipo de coisa.<br />
APÓLICE: Há uma série de riscos declináveis<br />
que ninguém quer, mas o mercado<br />
não trabalha para torná-los aceitáveis.<br />
Gustavo Cunha Mello: Este é o<br />
meu trabalho diário. É preciso encontrar<br />
um empresário que queira pagar este<br />
serviço, que são poucos, porque não é<br />
barato, tem que encontrar um subscritor<br />
de risco e uma seguradora com vivência<br />
empresarial. A maioria das seguradoras<br />
faz apenas o básico por falta de mão-de-<br />
-obra. Falta gente preparada para tomar<br />
as decisões certas. Por medo de tomar<br />
decisões erradas, as pessoas preferem<br />
não aceitar o risco. Este é um retrato de<br />
hoje, mas no longo prazo acredito que<br />
vá melhorar e a gente vai se aproximar<br />
dos mercados maduros, onde existem<br />
pessoas com visão de gerenciamento de<br />
risco. Quando se tem um bom relatório<br />
de análise de risco de um segurado, é<br />
melhor do que outros riscos que eu aceito<br />
de olhos fechados na massa.<br />
APÓLICE: Você acha que pode vir uma<br />
nova geração de gerentes de riscos mais<br />
bem formados, usando novas tecnologias<br />
para executar o trabalho?<br />
Gustavo Cunha Mello: Eu não vejo<br />
ninguém se inscrever nas faculdades de<br />
engenharia com foco no gerenciamento<br />
de risco. São pouquíssimos profissionais.<br />
Este é um desafio que nós temos, de<br />
convencer os mais jovens e tentar formar<br />
8<br />
pessoas mais gabaritadas. O movimento<br />
que enxergamos hoje é de seguradoras<br />
deixando os grandes riscos e focando<br />
nos produtos de varejo. Estes não são<br />
demandantes de gerenciamento de riscos.<br />
A preocupação é outra.<br />
APÓLICE: A condição da economia tem<br />
reflexos na contratação dos seguros?<br />
Gustavo Cunha Mello: A condição<br />
econômica reflete na preocupação de<br />
fazer seguros melhores. Aquele sujeito<br />
que teve um sinistro, perdeu seu negócio,<br />
ele se preocupa em fazer um bom gerenciamento<br />
de risco. O melhor segurado é<br />
aquele que acabou de pegar fogo. Ele está<br />
“ As pessoas talvez<br />
não percebam que<br />
o gerenciamento<br />
de risco é uma<br />
metodologia<br />
científica, com<br />
uma série de<br />
ferramentas<br />
matemáticas para<br />
levar a uma tomada<br />
de decisão”<br />
com medo e vai investir em soluções que<br />
tornem o negócio dele melhor.<br />
APÓLICE: Esta situação econômica<br />
pode motivar as fraudes ou menos cuidados<br />
com os riscos?<br />
Gustavo Cunha Mello: Não vejo a<br />
sinistralidade aumentar, mas percebemos<br />
a imprensa mais atenta e a população<br />
mais preocupada, porque ninguém<br />
quer um sinistro perto de casa. Alguns<br />
sinistros foram muito grandes, como o<br />
do Porto de Santos e chamam muito a<br />
atenção, como a Samarco. Não acredito<br />
muito em fraudes porque o seguro jamais<br />
vai dar lucro para o sujeito. O empresário<br />
sempre perde dinheiro, mesmo tendo<br />
seguro, porque existe depreciação, o<br />
estoque é pago pelo valor de custo, há<br />
muita burocracia para receber, demora<br />
para reconstruir a planta e voltar ao<br />
mercado. Um exemplo, a CSN teve em<br />
2006 a explosão do autoforno número<br />
3, com dano material de R$ 70 milhões.<br />
Ela reconstruiu o autoforno em seis meses.<br />
Só a obra e o tempo parado fez ela<br />
perder 40% da receita, que chegou a ter<br />
mais de R$ 400 milhões de prejuízo. O<br />
segurado sempre perde dinheiro com o<br />
sinistro. Cabe ao mercado mostrar isso<br />
a ele, porque enxergo pouca cultura do<br />
brasileiro em relação ao gerenciamento<br />
de risco. O dono da empresa está preocupado<br />
com as vendas, com a situação<br />
do mercado, com o marketing, mas esquece<br />
de olhar o para-raio, o quadro de<br />
luz, a parte elétrica, a manutenção dos<br />
hidrantes e mangueiras de incêndio. Não<br />
generalizando, mas enxergo mais falta de<br />
cuidado com o que não faz parte do core<br />
business da empresa, mas não é fraude.<br />
No automóvel, temos um perfil que se<br />
preocupa se o sujeito para em garagens,<br />
tem multa etc. Devíamos ter a mesma<br />
coisa no seguro empresarial, porque isso<br />
colaboraria para cuidar do seu gerenciamento<br />
de risco e ser premiado por isso.<br />
APÓLICE: Em um sinistro de grandes<br />
proporções, com grande repercussão, aumenta<br />
de alguma forma a preocupação<br />
das pessoas e consequente procura pela<br />
proteção dos riscos?<br />
Gustavo Cunha Mello: A imprensa<br />
é a maior contribuinte para a venda de<br />
seguro no Brasil. Quando acidentes como<br />
o da Samarco ou Porto de Santos acontecem,<br />
faz com que as pessoas comecem a<br />
se preocupar nos mais diversos segmentos<br />
do mercado. Eu sinto isso no meu<br />
dia-a-dia, porque sou mais consultado.<br />
As pessoas se lembram dos riscos, têm<br />
medo de que algo aconteça. De acordo<br />
com o antropólogo Clemente Nóbrega, a<br />
cabeça do ser humano só presta atenção<br />
em três coisas: sexo, comida e medo. Isso<br />
porque o nosso DNA, desde o tempo das<br />
cavernas, pensa nestes três itens para a<br />
sua sobrevivência. Quando recebemos 30<br />
mil propagandas em média por dia, nosso<br />
cérebro filtra esta informação. Quando é<br />
alguma coisa que desperta o medo, ela<br />
chama atenção. O medo faz com que as<br />
pessoas tomem cuidados.