edição de 9 de setembro de 2019
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eyond the line<br />
Markus Spiske/Unsplash<br />
As encruzilhadas<br />
do capitalismo<br />
O problema é que o mundo está dando sinais<br />
<strong>de</strong> arrefecimento do crescimento populacional<br />
Alexis Thuller PAgliArini<br />
Vejo um artigo da revista Foreign Affairs –<br />
The Population Bust: Demographic Decline<br />
and the End of the Capitalism as We Know<br />
It –, comentado pelo Estadão, e me surge um<br />
paralelo com boa parte dos cases vencedores<br />
do Cannes Lions <strong>2019</strong>.<br />
Essa reflexão se dá no momento em que<br />
estou em uma série <strong>de</strong> viagens para o Cannes<br />
Lions Roadshow, organizado pelo sistema<br />
Fenapro/Sinapro, em parceria com o Estadão.<br />
Dois dos quatro macro insights gerados<br />
pelo festival este ano têm a ver com um novo<br />
posicionamento das empresas perante o<br />
mundo complicado <strong>de</strong> hoje. São eles: Stand<br />
Up or Die (que traduzi para Posicione-se ou<br />
Morra) e Let Everyone In (traduzido para Inclusão:<br />
Mais Gente pra Dentro).<br />
Enquanto o artigo da Foreign Affairs questiona<br />
a <strong>de</strong>pendência do capitalismo do crescimento<br />
contínuo. Crescimento da população,<br />
crescimento da capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> compra,<br />
crescimento do consumo, crescimento das<br />
empresas... E assim a roda do capitalismo<br />
gira. Growth, growth, growth... Há algumas<br />
empresas que estão até trocando o nome do<br />
cargo do diretor <strong>de</strong> marketing para diretor <strong>de</strong><br />
crescimento (<strong>de</strong> CMO para CGO).<br />
O problema é que o mundo está dando<br />
sinais <strong>de</strong> arrefecimento do crescimento populacional.<br />
A China e a Índia, países mais<br />
populosos do mundo, começam a apresentar<br />
taxas <strong>de</strong> natalida<strong>de</strong> que mal repõem sua população.<br />
O mesmo ocorre no Brasil, cuja taxa<br />
<strong>de</strong> natalida<strong>de</strong> está chegando a níveis abaixo<br />
da simples reposição populacional.<br />
Então, se a lógica do capitalismo está calcada<br />
na dinâmica do crescimento constante,<br />
algo precisa mudar. Por outro lado, o que observamos<br />
nos insights do Cannes Lions são<br />
empresas que, <strong>de</strong> forma genuína e autêntica,<br />
se posicionam e agem na socieda<strong>de</strong> não só<br />
para ven<strong>de</strong>r mais, mas para serem atores <strong>de</strong>cisivos<br />
<strong>de</strong> melhorias sociais.<br />
Basta ver o case do Carrefour na França,<br />
ganhador <strong>de</strong> Grand Prix este ano, em Cannes.<br />
Num posicionamento inequívoco <strong>de</strong> protesto<br />
em relação a uma lei que proíbe a venda <strong>de</strong><br />
alimentos <strong>de</strong>rivados <strong>de</strong> sementes não cer-<br />
tificadas, a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> supermercado criou o<br />
Black Supermarket, montando um verda<strong>de</strong>iro<br />
“mercado negro” <strong>de</strong> frutas e hortaliças <strong>de</strong><br />
produtores que não tinham acesso à certificação<br />
<strong>de</strong> sementes.<br />
Resultado? Conseguiram mudar a lei! Vemos<br />
cada vez mais empresas que assumem<br />
uma postura corajosa, sem medo <strong>de</strong> se posicionar,<br />
apoiando causas <strong>de</strong> minorias ou “peitando”<br />
leis que consi<strong>de</strong>ram injustas. A Nike<br />
tem sido um <strong>de</strong>staque nesse sentido.<br />
A marca não hesitou em apoiar o voto<br />
sim no plebiscito relacionado ao casamento<br />
<strong>de</strong> pessoas do mesmo sexo na Austrália.<br />
E, este ano, o case Dream Crazy, que<br />
envolve o apoio ao protesto do atleta Colin<br />
Kaepernick, se recusando a cantar o hino<br />
nacional antes dos jogos <strong>de</strong> futebol americano<br />
em que participava.<br />
Os ultranacionalistas americanos, incluindo<br />
o presi<strong>de</strong>nte Trump, acharam um<br />
absurdo o posicionamento da empresa. Suas<br />
ações chegaram a cair mais <strong>de</strong> 3% nos EUA.<br />
Seus produtos foram queimados, em protestos<br />
<strong>de</strong>sses nacionalistas.<br />
Parecia uma loucura, mas a empresa<br />
acabou recebendo o apoio <strong>de</strong> lí<strong>de</strong>res <strong>de</strong><br />
opinião, revertendo a queda <strong>de</strong> vendas,<br />
virando o jogo.<br />
Será que o capitalismo, como foi concebido,<br />
está preparado para lidar com essa realida<strong>de</strong><br />
emergente? Será que os princípios<br />
“ven<strong>de</strong>r mais a qualquer custo” e “crescer,<br />
crescer, crescer” estão em xeque? Será que<br />
as empresas estão preparadas para enfrentar<br />
acionistas ávidos por lucros constantes e a<br />
adotar uma política mais ética e ativista <strong>de</strong><br />
causas sociais?<br />
A The Body Shop já tem até um cargo<br />
novo: Global Head of Activism. Isso mesmo,<br />
uma head global <strong>de</strong> ativismo! O certo<br />
é que há um vácuo na li<strong>de</strong>rança governamental<br />
mundial, cujos atores têm preferido<br />
caminhos mais pragmáticos, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo<br />
o seu lado, mesmo que seja contrário<br />
à lógica <strong>de</strong> melhoria social para todos<br />
– e não só para alguns privilegiados.<br />
As marcas estão preparadas para ocupar<br />
esse vácuo?<br />
Alexis Thuller Pagliarini é superinten<strong>de</strong>nte<br />
da Fenapro (Fe<strong>de</strong>ração Nacional das Agências<br />
<strong>de</strong> Propaganda)<br />
alexis@fenapro.org.br<br />
22 9 <strong>de</strong> <strong>setembro</strong> <strong>de</strong> <strong>2019</strong> - jornal propmark