Especial Covid Pandemia mascara insegurança alimentar e desnutrição Um, dois, três alertas. Os avisos das agências humanitárias sucedem-se: a falta de alimentos e a subnutrição podem atingir proporções que já há muitos anos não se viam na África Austral. Moçambique está entre os casos que inspiram mais cuidado. Mas é no terreno que os trabalhadores comunitários mostram como se pode fazer para inverter o cenário Texto Luís Fonseca, serviço especial da agência Lusa para a E&M • Fotografia D.R. “ as contribuições de doadores são urgentes”. O alerta está a ser lançado pelo Programa Mundial para Alimentação (PMA) em Moçambique porque a Covid-19 está a agravar um contexto humanitário já fragilizado. Ciclones, inundações, seca (no Sul) e conflitos armados (no Centro e Norte) eram já as razões de fundo para a crise humanitária. O novo coronavírus e as restrições que implica só vieram piorar o cenário. No calendário agrícola, as colheitas já passaram e aproxima-se a fase agrícola ‘magra’ da campanha <strong>2020</strong>/21, altura do ano em que “as famílias mais vulneráveis estarão em risco de insegurança alimentar” até chegar a próxima colheita, alerta a agência das Nações Unidas. “As necessidades de financiamento geral do PMA são de 125 milhões de dólares para os próximos seis meses”, contando desde Agosto, em Moçambique. A organização antecipa quebras de abastecimento nas suas operações humanitárias em Cabo Delgado, Nampula e Niassa a partir de Outubro “se não forem mobilizados recursos suficientes a tempo”. Uma equação difícil numa altura em que muitos doadores enfrentam as suas próprias encruzilhadas face à Covid-19. Em Moçambique (onde o crescimento económico foi revisto em baixa), “mais de 1,6 milhões de pessoas enfrentam insegurança alimentar aguda grave”, de acordo com os dados dos últimos meses. Em Julho, o PMA deu assistência a 365 mil pessoas em Moçambique, com 2700 toneladas de alimentos e 1,3 milhões de dólares de transferências em dinheiro para troca por mantimentos. A maioria das pessoas assistidas encontra-se no norte do País. A seriedade do alerta foi reforçada no dia 07 de <strong>Setembro</strong>. Numa conferência de imprensa a partir de Joanesburgo, a directora regional da África Austral do Programa Alimentar Mundial (PAM), Lola Castro, classificou a insegurança alimentar em Cabo Delgado como uma das situações mais “preocupantes” no mapa da sub-região africana. “A ajuda nem sempre consegue chegar a alguns distritos do Nordeste” e o PMA tenta encontrar alternativas para “alcançar os inacessíveis” e fornecer-lhes “ajuda alimentar, abrigo e protecção”, referiu. A África Austral assiste, “ano após ano, a secas, cheias ou ciclones, como vimos em 2019 (...). A covid-19 foi um choque adicional para o qual, obviamente, não estávamos preparados”, acrescentou. O cenário é dos mais graves de que há memória. O espectro da subnutrição crónica cresce Associado ao drama da insegurança alimentar está o espectro da subnutrição crónica, do atrofiamento e raquitismo, cujos efeitos podem perdurar por uma vida inteira e ceifar logo à partida o potencial da maior força de desenvolvimento de um país: a sua população. A subnutrição torna-se cróni- A Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) estima que “a subnutrição aguda em toda a região possa aumentar em 25% ou mais durante o resto de <strong>2020</strong> e até 2021 ca, ou seja, não basta atirar com sacos de ajuda alimentar para cima do problema se ele alastrar. E a sub-região africana enfrenta, neste momento, o maior risco de aumento de casos. A Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) estima que “a subnutrição aguda em toda a região possa aumentar em 25% ou mais durante o resto de <strong>2020</strong> e até 2021”, incluindo 8,4 milhões de crianças, como consequência das medidas decretadas para conter a pandemia. De acordo com a SADC, 72% das crianças afectadas encontrar-se-ão em seis países da região: Angola, Moçambique, República Democrática do Congo (RDCongo), Madagáscar, Tanzânia e Zâmbia. Os dois países lusófonos estão também sinalizados pela SADC devido à fraca produção de alimentos, o que “indica um início precoce da estação magra (período de escassez), que irá agravar ainda mais os efeitos da covid-19”. No documento, a SADC analisa também a taxa de prevalência de atrofiamento entre as crianças da região, contabilizando mais de 18,7 milhões de crianças raquíticas. “A prevalência do atrofiamento é superior a 30% - classificado como muito elevado – em nove dos 16 Estados-membros da SADC”, longe dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável 2030”. Os dados apresentados no relatório colocam Moçambique como o segundo país da África Austral com maior taxa de prevalência de atrofiamento, com 42,3%, apenas atrás da RDCongo (42,7%). Um exército luta pela nutrição Para evitar que as pessoas se afastem dos serviços de nutrição por causa dos receios ligados à covid-19, um exército diferente actua em Cabo Del- 14 www.economiaemercado.co.mz | <strong>Setembro</strong> <strong>2020</strong>
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