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Alê Oliveira<br />
Ven<strong>de</strong>ndo o que<br />
jamais será entregue<br />
“O sábado é uma ilusão.”<br />
Nelson Rodrigues<br />
Francisco Alberto Madia <strong>de</strong> Souza<br />
Na medida em que faltam terrenos, na medida em<br />
que supostamente as pessoas querem – claro, as<br />
que têm dinheiro – morar nos melhores lugares<br />
da cida<strong>de</strong>, o chamado Jardins, aquela região que vai da<br />
Al. Santos, <strong>de</strong>sce a Pamplona, pega a Estados Unidos, e<br />
sobe a Consolação, passa, neste momento, pelo último<br />
pente fino das incorporadoras, e em menos <strong>de</strong> cinco<br />
anos estará completamente <strong>de</strong>sfigurada.<br />
E assim, aquilo que é realida<strong>de</strong> hoje, o cenário maravilhoso<br />
on<strong>de</strong> corretores levam compradores <strong>de</strong>satentos<br />
que gostam <strong>de</strong> ser enganados, mostrando as maravilhas<br />
<strong>de</strong> morar, finalmente, num lugar encantador e <strong>de</strong>scolado,<br />
não passa <strong>de</strong> um estelionato. Jamais entregarão<br />
os sonhos. No lugar do sonho, torres <strong>de</strong> concreto on<strong>de</strong><br />
incautos e <strong>de</strong>lirantes morarão... Depois <strong>de</strong> ven<strong>de</strong>rem o<br />
sonho, levam pra tomar um café no acolhedor e legendário<br />
Cristallo...<br />
Corta para o Estadão, 9 <strong>de</strong> <strong>janeiro</strong>, ca<strong>de</strong>rno Metrópole,<br />
matéria quase crônica assinada por Ítalo Lo Re. “Despedida<br />
da Cristallo da Oscar Freire reúne clientes... “Era por<br />
volta <strong>de</strong> 17 horas quando a aposentada Leni Colaferri,<br />
<strong>de</strong> 71 anos, se acomodou em uma mesa <strong>de</strong> calçada da<br />
confeitaria Cristallo, quase esquina da Rua Oscar Freire<br />
com a Bela Cintra... A unida<strong>de</strong> da Cristallo da Oscar Freire,<br />
aberta por ali há 46 anos, viveu seu dia <strong>de</strong> <strong>de</strong>spedida<br />
do número 914, em tar<strong>de</strong> marcada por comoção entre<br />
funcionários e frequentadores assíduos... e conclui Ítalo,<br />
“A confeitaria, assim como outros estabelecimentos vizinhos,<br />
será <strong>de</strong>molida para a construção <strong>de</strong> um resi<strong>de</strong>ncial<br />
<strong>de</strong> alto padrão...”.<br />
É isso, amigos. Corretores mais que necessitados – só<br />
ganham se ven<strong>de</strong>rem e precisam comer – ven<strong>de</strong>m um<br />
paraíso on<strong>de</strong> passará a existir um inferno ainda que<br />
presumivelmente chique. Ou, no mínimo, um purgatório.<br />
Ven<strong>de</strong>m o que jamais será entregue porque as encantadoras<br />
ilhas <strong>de</strong> alegria, prazer e felicida<strong>de</strong>, todas, serão<br />
<strong>de</strong>spejadas e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>molidas para a construção das<br />
tais torres...<br />
Pessoas que compraram, como <strong>de</strong>screve Alberto Dines<br />
em seu clássico ‘Morte no paraíso - A tragédia <strong>de</strong><br />
Stefan Zweig’. Terminar seus dias ro<strong>de</strong>ado <strong>de</strong> prazeres,<br />
alegrias e felicida<strong>de</strong>, e <strong>de</strong>scobrirá, tardiamente, que<br />
compraram gato por lebre, com todo respeito aos gatos<br />
que não têm nada a ver com essa história, com esse estelionato<br />
emocional...<br />
Nota <strong>de</strong> falecimeNto<br />
Faleceu no último dia 15 <strong>de</strong> <strong>janeiro</strong> <strong>de</strong> <strong>2024</strong>, por falência<br />
generalizada dos órgãos, um dos campeões <strong>de</strong><br />
sucesso do mercado financeiro <strong>de</strong> décadas atrás. O DOC.<br />
Queridinho das empresas e das pessoas. Morreu mais ignorado<br />
que o faquir <strong>de</strong> Kafka, sem nenhuma chance <strong>de</strong><br />
ressuscitação. Quase chegou aos 40 anos. Des<strong>de</strong> a virada<br />
do milênio vinha revelando <strong>de</strong>bilida<strong>de</strong>s. Assim mesmo<br />
ganhou alguma sobrevida, mas não resistiu os ventos da<br />
mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, e, <strong>de</strong>spediu-se. Mais uma das vítimas do<br />
tsunami tecnológico.<br />
Criado no ano <strong>de</strong> 1985, revolucionou. Permitia, finalmente,<br />
a realização <strong>de</strong> transferências entre contas<br />
bancárias. Eliminava a necessida<strong>de</strong> do tal <strong>de</strong> <strong>de</strong>pósito<br />
em cheque. Aliás, e por falar em cheque... Agora, em<br />
seu lugar, ele, todo mo<strong>de</strong>rnoso e em vez <strong>de</strong> um C no<br />
final, um X, transmitindo velocida<strong>de</strong> e mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, o<br />
PIX. Ainda em 2023, primeiro semestre, revelava alguns<br />
sinais <strong>de</strong> vida: foram realizados 18,3 milhões <strong>de</strong> operações<br />
<strong>de</strong> DOC... mas, e no mesmo período, 17,6 bilhões <strong>de</strong><br />
PIX... Dispensam-se comentários. Trata-se da maior crise<br />
estrutural da história da economia e dos negócios <strong>de</strong><br />
todos os tempos. Assim, esqueça as crises conjunturais.<br />
São simples resfriados, que po<strong>de</strong>m, no máximo, em poucos<br />
casos, virar pneumonia. O mundo velho está em seus<br />
estertores. E todas as empresas que não tiverem essa<br />
consciência e não tomarem as providências no mais que<br />
<strong>de</strong>vido tempo terão o mesmo <strong>de</strong>stino do... DOC. Que parte<br />
sem <strong>de</strong>ixar sauda<strong>de</strong>s...<br />
Somos ingratos, interesseiros, oportunistas, aproveitadores...?<br />
Lembram o que um dia nos ensinou, em 1960,<br />
o saudoso Theodore Levitt, com seu artigo monumental,<br />
‘Marketing Myopia?’, que “não compramos produtos,<br />
compramos os serviços que os produtos prestam...”. E no<br />
dia seguinte que um novo produto preste melhor aquele<br />
mesmo serviço trocamos no ato.<br />
Assim somos nós, os humanos, não <strong>de</strong>sumanos... Queremos<br />
sempre, e para sempre, e <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que acessível, e<br />
apenas, o melhor...<br />
Francisco Alberto Madia <strong>de</strong> Souza<br />
é consultor <strong>de</strong> marketing<br />
fmadia@madiamm.com.br<br />
36 <strong>22</strong> <strong>de</strong> <strong>janeiro</strong> <strong>de</strong> <strong>2024</strong> - jornal propmark