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4 Diário <strong>Económico</strong> Terça-feira 2 Março 2010<br />
OPINIÃO<br />
ATAQUE DIRECTO<br />
Exportar<br />
os portugueses<br />
Tudo parece conjugar-se para voltarmos a ser um País exportador,<br />
mas de... pessoas. Perdendo talento e conhecimento.<br />
JOSÉ EDUARDO MONIZ<br />
Desdeoiníciodoano,maisde<br />
setecentas empresas faliram. O<br />
número é impressionante, mas<br />
ganha ainda maior expressão<br />
quando se conclui que superou<br />
mesmoodoanopassado,em<br />
período idêntico. A fragilidade<br />
da nossa economia está a ser<br />
postaanú,acadadiaquepassa,<br />
não havendo forma de disfarçar<br />
as vulnerabilidades de que enferma.<br />
Os próximos tempos não<br />
irão trazer diferenças substanciais<br />
ao quadro actual. A necessidade<br />
de apertar o cinto, dada a<br />
inevitabilidade da adopção de<br />
medidas que permitam reduzir o<br />
enorme défice português, vai<br />
agravar ainda mais a situação.<br />
Nesse aspecto, a expectativa<br />
à volta do Programa de Estabilidade<br />
e Crescimento avolumase,<br />
uma vez que que funcionará<br />
como uma espécie de quadro de<br />
referência para os próximos<br />
anos. Congelamento de salários<br />
na função pública, corte de benefícios<br />
fiscais e de outros incentivos,<br />
além de dispositivos<br />
de contenção nas lógicas de<br />
gestão e endividamento das<br />
empresas ligadas ao Estado,<br />
constituirão o prato forte das<br />
políticas económicas dos meses<br />
que temos pela frente.<br />
2010nãoseráopiorano.Ode<br />
2011 adivinha-se bem mais dramático.<br />
O discurso do realismo<br />
vai ter de substituir o da propaganda,<br />
pondo fim a longo período<br />
de demagogia. Portugal é um<br />
local onde viver será cada vez<br />
mais difícil.<br />
1.<br />
A contestação social estará na<br />
rua, com a intensidade que se<br />
conhece e a capacidade mobilizadora<br />
de que as centrais sindicais<br />
já deram mostras. As<br />
manifestações já anunciadas e<br />
as greves que se perfilam deixam<br />
transparecer a agitação que<br />
se avizinha, perante o panoramageraldecontençãoqueas<br />
nuvens pairando no horizonte<br />
adensam.<br />
Tempos amargos vão testar<br />
as capacidades de quem é poder<br />
e de quem está na oposição e<br />
deixar perceber se há projectos<br />
“ 2010 não será<br />
opiorano.Ode2011<br />
adivinha-se bem<br />
mais dramático.<br />
O discurso do<br />
realismo vai ter<br />
de substituir o da<br />
propaganda, pondo<br />
fim a longo período<br />
de demagogia.”<br />
de relançamento e de recuperação<br />
efectivos que extravasem o<br />
mero combate circunstancial a<br />
esta crise. Até agora, aquilo que<br />
se tem sabido, por parte do Governo,<br />
não indicia grandes novidades<br />
na metodologia de ataque<br />
aos problemas. Trata-se de<br />
um conjunto de respostas clássicas,<br />
consagradas nos compêndios<br />
e manuais, assentes em<br />
mecanismos que provocam<br />
contracção e que adiam a recuperação<br />
para altura mais favorável,<br />
à espera que a economia<br />
mundial, melhorando, nos ofereça<br />
boleia.<br />
2.<br />
Do lado da Oposição, nomeadamente,<br />
do PSD, ainda nada<br />
é, em substância, visível. Manuela<br />
Ferreira Leite está de<br />
saída e dos três candidatos à<br />
liderança social-democrata<br />
ainda não se ouviu o suficiente<br />
para se descortinar se o que<br />
surgirá assumirá contornos<br />
inovadores ou se se assemelhará<br />
a mais do mesmo, apenas<br />
com outros protagonistas e outro<br />
tipo de discurso.<br />
A voz mais relevante que<br />
apareceu, nessa área, a abordar<br />
o assunto foi Marcelo Rebelo de<br />
Sousa, o qual recomendou um<br />
consenso amplo sobre o PEC<br />
perante as circunstâncias que o<br />
País enfrenta. Mas a verdade é<br />
que ele não é líder e autoexcluise<br />
como candidato à chefia do<br />
partido. Embora, possa acrescentar-se,<br />
que até ao lavar dos<br />
cestos é vindima...<br />
3.<br />
Quanto ao CDS, o seu líder, Paulo<br />
Portas, já fez saber que também<br />
quer conhecer o PEC que o Governo<br />
prepara, inclusive, para<br />
definir o sentido de voto centrista<br />
em relação ao Orçamento de<br />
Estado. Já defendeu a diminuição<br />
do número de administradores<br />
nas empresas públicas, como<br />
sinal de que a contenção a todos<br />
tem de chegar e que o esforço de<br />
recuperaçãodeveser,defacto,<br />
colectivo. Não é má a ideia, mas<br />
afigura-se-me insuficiente, até<br />
porque se revela relativamente<br />
pequeno o universo a abranger .<br />
Por que não, já agora, em linha<br />
com o que argumenta, começar<br />
a pugnar pela redução do número<br />
de deputados?<br />
Além, de exemplar, tal permitiria<br />
ao País poupar bastante<br />
dinheiro, atendendo ao contributo<br />
real que muitos dos eleitos<br />
têm dado, ao longo dos tempos.<br />
A catástrofe serviu,<br />
pelo menos, para amainar<br />
o diferendo entre<br />
Jardim e Sócrates.<br />
Um e outro viram-se<br />
obrigados, em nome<br />
do interesse<br />
das populações,<br />
asentar-seàmesa.<br />
Por outro lado, com menos representantes<br />
no hemiciclo, as<br />
estatíscas nacionais de produtividade<br />
talvez se traduzissem em<br />
números mais animadores.<br />
4.<br />
De qualquer modo, os diversos<br />
ângulos de abordagem observados<br />
até agora, provenientes dos<br />
vários quadrantes políticos,<br />
com as excepções naturais do<br />
Partido Comunista e do Bloco de<br />
Esquerda, não indiciam perspectivas<br />
que acabem por sustentar<br />
modelos de desenvolvimento<br />
susceptíveis de entrarem<br />
em ruptura com o que actualmente<br />
existe.<br />
A lógica é, sobretudo, a da<br />
aplicação de remédios ao paciente<br />
e pouco mais.<br />
Confesso que me faz alguma<br />
aflição a facilidade com que<br />
Portugal vai, aos poucos, dei-<br />
xando de ser dono de si próprio.<br />
Embora vivamos num<br />
mundo em que os capitais circulam<br />
e as fronteiras se esbatem,<br />
a perda de controlo de alguns<br />
dos mecanismos essenciais<br />
da actividade económica<br />
põe em causa a própria independência<br />
nacional.<br />
A naturalidade e mesmo indiferençacomqueseassisteà<br />
passagem para mãos estrangeiras<br />
do controlo de grandes empresas<br />
portuguesas insere-se já<br />
no espírito acomodado e fatalista<br />
que, cada vez mais, toma<br />
conta da nossa sociedade.<br />
A baixo preço ou não, Portugal<br />
vai perdendo capacidade de<br />
afirmação. Não admira, pois,<br />
que haja uma tendência crescente<br />
para os portugueses olharemparaoexteriorcomoajanela<br />
certa para o seu futuro e<br />
baixem os braços cansados de<br />
alimentar esperanças cá dentro.