Seu - Geia Plural
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junto ao laço da gravata.<br />
– Faça favor...<br />
Damião assustou-se com a voz rouca que lhe<br />
vinha por trás do ombro direito, do lado da Rua<br />
do Mocambo. Não tinha sentido rumor de passos.<br />
E deu de frente com o Sátiro Cardoso, pequenino,<br />
enxuto, metido na sua sovada casaca<br />
de mágico, o colarinho alto, o rosto encovado,<br />
bigode, nos negros olhos uma faísca de loucura,<br />
e que logo lhe disse, com um pedaço de papel<br />
impresso na ponta dos dedos:<br />
– É o convite para o meu próximo espetáculo.<br />
– Outra vez A queda da bandeira?<br />
– É. O pessoal pede sempre. E o público é<br />
quem manda.<br />
Damião quis ainda saber por que o velho mágico<br />
preferia aquela hora da noite, com as casas<br />
fechadas, para distribuir os seus convites.<br />
– De dia – redarguiu ele, dando-lhe outro convite<br />
– os moleques vêm atrás de mim, me chamando<br />
de Troíra. Chegam a atiçar cachorros<br />
para me morder. De noite é mais calmo: os moleques<br />
estão dormindo.<br />
E lá se foi, Rua do Mocambo abaixo, a enfiar<br />
o papelucho por baixo das portas, sem ruído,<br />
apenas roçando o chão da calçada com seu<br />
passo macio.<br />
Já fazia alguns anos que Damião vira aparecer<br />
na cidade aquela figura caricata, debaixo<br />
de uma cartola preta, casaca, sapatos<br />
cambados, a andar acima e abaixo, com uma<br />
pasta de couro, também preta, e apresentando-se<br />
no Largo do Carmo, no Palácio do Governo,<br />
na redação dos jornais, no Liceu, no Paço<br />
Episcopal, e também à porta das igrejas, nas<br />
missas dominicais e nos casamentos, como o<br />
Ilusor Maranhense. Dias depois, apenas por<br />
curiosidade, tinha ido assistir, no Teatro São<br />
Luís, ao seu primeiro espetáculo, que daí em<br />
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