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Seu - Geia Plural

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E nisto a Benigna tornou a apontar no retângulo<br />

da porta, chamando-o agora para conhecer<br />

o Julião:<br />

– É clarinho – preveniu-lhe.<br />

E quando ele se curvou sobre o berço, muito<br />

emocionado, sentindo os olhos úmidos, ela lhe<br />

foi dizendo, enquanto erguia o candeeiro, para<br />

dar mais luz sobre a criança:<br />

– Tem tua cara, meu filho. Até o nariz chato<br />

é teu. Olha a testa. Também é tua. E esse beicinho<br />

espichado. Tudo teu. É mais para branco<br />

que para preto: moreninho, como um bom<br />

brasileiro.<br />

Damião olhava embevecido aquela pequena<br />

massa humana, ainda mole, com uns fios<br />

de cabelos úmidos, os olhinhos cerrados, os<br />

bracinhos encolhidos na camisinha de linho, e<br />

não podia deixar de lembrar-se do Barão, com<br />

a sua famosa teoria de que só na cama, com o<br />

rolar do tempo, se resolveria o conflito natural<br />

de brancos e negros, no Brasil. Tinha ali mais<br />

uma vez a prova, na sua própria família. Sua<br />

neta mais velha casara com um mulato; sua<br />

bisneta, com um branco, e ali estava seu trineto,<br />

moreninho claro, bem brasileiro. Apagara-<br />

-se nele, é certo, a cor negra, de que ele, seu<br />

trisavô, tanto se orgulhava. Mas também se<br />

viera diluindo, de uma geração para outra, o<br />

ressentimento do cativeiro. Daí a mais algum<br />

tempo, ninguém lembraria, com um travo de<br />

rancor, que, em sua pátria, durante três séculos,<br />

tinham existido senhores e escravos, brancos<br />

e pretos. Agora, ali em São Luís, já os negros<br />

entravam no Palácio do Governo, mesmo<br />

os do povo, com os pés no chão, a camisa para<br />

fora das calças, e iam falar com o governador<br />

Luís Domingues, que se levantava de sua cadeira<br />

e vinha apertar-lhes a mão. No Liceu<br />

Maranhense, além dele, Damião, ensinavam<br />

Índice<br />

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