A garganta do diabo - Cabine Cultural
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Sara preferiu não dar sua opinião a Otávio. Somente<br />
aceitou o presente que o Polaco lhe ofereceu e desejou-lhe bom<br />
descanso.<br />
Otávio, saben<strong>do</strong> que Gilberto poderia estar a sua<br />
procura, ao invés de permanecer em Foz <strong>do</strong> Iguaçu, dirigiu-se a<br />
Capitão Leônidas Marques. Segun<strong>do</strong> seus planos, descansaria<br />
esta noite, e na oportunidade de um regresso após a visita à<br />
fazenda no Pará acertaria a pendência. Otávio confessara a Sara<br />
que o plano não mais se resumiria a Gilberto, mas também se<br />
estenderia a Paulo Sérgio e Ubal<strong>do</strong>. Com a queda <strong>do</strong>s três pouco<br />
restaria <strong>do</strong> grupo. Para tanto, alguns detalhes ainda precisariam<br />
ser resolvi<strong>do</strong>s: o acerto referente aos papéis da fazenda, pois<br />
ainda não possuía nada em seu nome, o tocante a tarefa que<br />
acabou de executar e a seqüência de lucros da viagem a<br />
Corumbá.<br />
Tão logo chegou a casa, Otávio sentou-se na varanda<br />
para contemplar o entardecer e tomar umas cuias de chimarrão.<br />
A seu ver, o caso deveria ser estuda<strong>do</strong> com mais vagar. O<br />
momento não era propício para descobrir paradeiros e nem para<br />
cometer erros de estratégias. Nada melhor que um instante de<br />
reflexão, numa casa longe <strong>do</strong> olhar de Paulo Sérgio e Gilberto.<br />
Ouvia-se o canto <strong>do</strong>s pássaros, aninhan<strong>do</strong>-se sobre os<br />
galhos da árvore. Não havia alma respiran<strong>do</strong> nos arre<strong>do</strong>res. Era<br />
mesmo belo poder sentir-se livre contemplan<strong>do</strong> o romance eterno<br />
<strong>do</strong> crepúsculo, com os raios <strong>do</strong> sol avermelhan<strong>do</strong> as poucas<br />
nuvens <strong>do</strong> horizonte.<br />
Há muito, Otávio não se sentava na varanda para<br />
descansar. Desde que começara os trabalhos juntos ao grande<br />
polvo, mesmo adquirin<strong>do</strong> os bens, não tinha tempo suficiente<br />
para descansar e gozar desses momentos de paz e lazer.<br />
Seguia-se o ritual de to<strong>do</strong>s os viventes que esperam<br />
inspiração no descanso, e diz-se que to<strong>do</strong>s têm um pouco de<br />
sossego, antes de um grande abalo, de uma notícia má, ou de<br />
grande surpresa.<br />
As idéias de Otávio tornaram-se nítidas, tu<strong>do</strong> lhe<br />
parecia lógico e certo. Devia esperar a noite se aproximar, para<br />
fazer uma pesquisa. Há muito havia pensa<strong>do</strong> na busca de<br />
orientação e este pensamento voltava quan<strong>do</strong> se lembrava de<br />
Adriana, o que Mãe Viviane havia dito sobre seu fim, citação que<br />
Otávio ouvira na hora que Adriana rogou-lhe para ser poupada.<br />
- Pelo amor de Mãe Viviane. “Bem que mamãe me<br />
avisou.” “Soltem-me seus demônios <strong>do</strong> fogo!”<br />
Por essa razão, Otávio não gostava de parar em lugares<br />
que lhe traziam lembranças. Recordava-se das súplicas de suas<br />
vítimas e a de Adriana era a mais nítida, cruel e vivaz.<br />
Teve um repentino sobressalto. Não se conteve.<br />
Precisava munir-se de arma, parecia haver algo queren<strong>do</strong> lhe<br />
perturbar o pensamento. O frio apoderou-se de seu corpo. Ele,<br />
um homem forte, capaz de ferir de morte as mais suplicantes<br />
vítimas, coração fecha<strong>do</strong> a qualquer contemplação; sentiu-se