Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
76<br />
Negros e brancos<br />
ocupam lugares desiguais<br />
nas redes sociais<br />
e trazem consigo<br />
experiências também<br />
distintas de nascer,<br />
viver, adoecer e morrer<br />
R ELATÓRIO DE D ESENVOLVIMENTO H UMANO - BRASIL 2005<br />
O acesso ao atendimento ginecológico preventivo, um dos procedimentos fundamentais<br />
para assegurar boas condições de saúde sexual e reprodutiva, é um aspecto<br />
que ilustra a maior dificuldade de acesso da população negra aos serviços de<br />
saúde básicos. Dados referentes ao ano de 2000 indicam, ainda, que 7,7% das gestantes<br />
negras não fizeram nenhum exame pré-natal, em comparação com 2,8% das<br />
gestantes brancas 16 .No outro extremo, o percentual de mulheres que realizaram<br />
mais de seis consultas pré-natais chegou a 55% entre as brancas, contra 34% entre<br />
as negras. Além disso, o número de mulheres negras que tiveram o parto em casa<br />
foi mais que o dobro do de mulheres brancas.<br />
Exemplos adicionais da menor qualidade do tratamento oferecido às gestantes<br />
negras são encontrados em uma pesquisa realizada pela Fundação Osvaldo Cruz<br />
(Fiocruz) e a Prefeitura do Rio de Janeiro, em hospitais e maternidades públicos e privados,<br />
entre julho de 1999 e março de 2001 17 (ver tabela 7). Seja em relação a orientações<br />
importantes sobre a gravidez, seja no que diz respeito ao suporte por ocasião do<br />
parto, as mulheres negras receberam menor atenção que as mulheres brancas.<br />
Tabela 7 • Informação e serviço a gestantes – Rio de Janeiro,1999-2001 (em %)<br />
Foram informadas da importância do pré-natal 87,2 76,6<br />
Foram informadas sobre o sinal do parto 73,1 62,5<br />
Foram informadas sobre a alimentação adequada 83,2 73,4<br />
Receberam explicação sobre a importância do aleitamento materno 77,7 68,3<br />
Receberam explicação sobre os cuidados com o recém-nascido 66,6 57,8<br />
Não receberam anestesia no parto normal 5,1 11,1<br />
Puderam ficar com acompanhante depois do parto 46,2 27,0<br />
Fonte: Leal e col. (2004).<br />
Gestantes<br />
brancas<br />
Gestantes<br />
negras<br />
A diferença racial quanto à dependência do Sistema Único de Saúde (SUS) é<br />
documentada por indicadores levantados pela Pnad de 1998. Considerando todos<br />
os tipos de atendimento de saúde, do total de pessoas negras assistidas, 76,2% recorreram<br />
ao sistema público, ao passo que para as pessoas brancas essa proporção<br />
foi de 66,1%. Também existem nítidas diferenças no percentual de brancos e negros<br />
que têm acesso aos planos de saúde privados: 32% e 15%, respectivamente.<br />
Finalmente, no caso da assistência odontológica, as distâncias raciais são igualmente<br />
expressivas. O percentual de negros que nunca foram ao dentista chega a 24%,<br />
quase o dobro do de brancos na mesma situação (14%).<br />
Em resumo, as evidências reunidas apontam, sistematicamente, para uma situação<br />
de iniqüidade racial na área da saúde, que se expressa por uma posição desvantajosa<br />
dos negros em termos do perfil de morbimortalidade e, especialmente, em<br />
relação ao acesso aos serviços de saúde e ao seu uso. Ou seja, negros e brancos ocupam<br />
lugares desiguais nas redes sociais e trazem consigo experiências também distintas<br />
de nascer, viver, adoecer e morrer.<br />
Para alguns<br />
pesquisadores, a segregação<br />
racial no Brasil está<br />
também vinculada à<br />
discriminação racial<br />
e à auto-segregação,<br />
e não apenas aos<br />
fatores socioeconômicos<br />
77<br />
SEGREGAÇÃO ESPACIAL<br />
A segregação residencial,aquela em que os integrantes de um grupo racial se concentram<br />
no mesmo espaço, pode ser conseqüência de fatores relacionados a diferenças<br />
socioeconômicas, discriminação no mercado imobiliário ou preferência de viver<br />
nas proximidades de pessoas pertencentes ao mesmo fenótipo.No Brasil, existe consenso<br />
de que grande parte da segregação racial residencial está vinculada aos fatores<br />
socioeconômicos. Como os negros são maioria nos estratos inferiores da pirâmide<br />
social e os brancos são maioria nos superiores, tal diferença foi apontada como responsável<br />
pela aglomeração habitacional dos negros.Alguns pesquisadores, porém,<br />
verificam que essa concentração de negros em determinados bairros pode também<br />
estar relacionada à discriminação racial.<br />
A partir dessa constatação, foram gerados os índices que sintetizam a segregação<br />
racial residencial, entre os quais o mais utilizado é o de dissimilaridade, que<br />
mede o percentual de pessoas brancas e negras que deveriam mudar de área para<br />
que se tenha a mesma distribuição dos dois grupos em todas as regiões. A escala<br />
varia de 0 (total dissimilaridade) a 100 (total similaridade). Ou seja, quanto mais<br />
alto o número, maior o nível de segregação residencial.<br />
Com o objetivo de investigar como ocorre a configuração espacial entre os fenótipos<br />
em algumas capitais brasileiras, foi feita uma análise da distribuição de negros<br />
e brancos, bem como de pobres e indigentes, para áreas geográficas que possibilitassem<br />
o uso dos dados censitários. Para isso, foram utilizados os dados do<br />
Censo Demográfico de 2000. As capitais incluídas no trabalho foram Belo Horizonte,<br />
Curitiba, Porto Alegre,Recife,Rio de Janeiro,Salvador e São Paulo. O estudo<br />
permitiu constatar que a configuração racial no espaço intra-urbano mantém<br />
relação com os indicadores de pobreza.<br />
Por meio de mapas gerados pelo estudo, foi possível identificar que a distribuição<br />
espacial das populações branca e negra está estritamente relacionada à distribuição<br />
espacial por nível de renda. Ou seja, a maior proporção de negros se concentra<br />
nas áreas de ponderação de maior incidência de pobres. Foram contrastadas três distribuições<br />
espaciais: de fenótipo, da porcentagem de domicílios abaixo da linha de<br />
pobreza e da porcentagem de residências abaixo da linha de indigência 18 .<br />
Nas cidades tomadas para análise é possível verificar que os valores sofrem pequenas<br />
variações e se encontram em um patamar moderado (ver tabela 8).Salvador<br />
apresentou o maior índice (30,2). Isso significa que 30,2% dos negros e o mesmo percentual<br />
de brancos teriam de mudar de área de ponderação para que houvesse na cidade<br />
distribuição igualitária em termos de fenótipo. No Recife, o índice apurado foi<br />
20,1. Os dados também demonstram que a segregação entre brancos e pretos é quase<br />
sempre mais elevada que a segregação entre brancos e pardos.<br />
Tomando como exemplo a cidade de Belo Horizonte, observa-se que a região<br />
centro-sul do município, cujo nível de renda é o mais alto, possui a menor proporção<br />
de negros (18,3%). Por outro lado, as regiões periféricas no norte, que se<br />
caracterizam por ser mais pobres, têm maior concentração de negros. Destacamse<br />
também alguns pontos da área central com maior proporção de negros e pobres,<br />
que são sabidamente faixas ocupadas por favelas. Nestas, o índice de indigentes<br />
atinge 16,6% e o da população negra, 63,6%. Esse padrão é repetido em praticamente<br />
todas as cidades analisadas. No caso de Salvador, que possui a maior<br />
proporção de negros em comparação com as demais cidades, os negros não se