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110<br />

Entre as conquistas<br />

do movimento negro<br />

está o fato de que<br />

segmentos da sociedade<br />

brasileira e do Estado<br />

começaram a adotar<br />

uma nova visão sobre<br />

as relações raciais<br />

e as condições<br />

socioeconômicas<br />

da população negra<br />

R ELATÓRIO DE D ESENVOLVIMENTO H UMANO - BRASIL 2005<br />

As políticas identitárias do movimento negro, porém, não traçaram objetivos<br />

para as áreas da economia e da política, decisivas no que diz respeito a mudanças<br />

estruturais no sistema de dominação racial no Brasil. Um exemplo dos limites das<br />

políticas de identidade é a cidade de Salvador, que, embora tenha uma população<br />

predominantemente negra, registra um pequeno número de negros ocupando<br />

cargos eletivos e executivos 11 .<br />

No balanço das conquistas do movimento negro, pode ser incluído o fato de<br />

que segmentos da sociedade brasileira e do Estado começaram a adotar uma nova<br />

visão sobre as relações raciais e as condições socioeconômicas da população<br />

negra. A democracia racial, tão arraigada no imaginário coletivo, já não goza da<br />

mesma legitimidade em razão do trabalho de desconstrução realizado pela intelectualidade<br />

e pelo movimento negro.<br />

Outro fator que merece destaque é a produção realizada com desagregação<br />

racial em áreas que antes não eram abordadas pelo prisma racial (educação e saúde,<br />

por exemplo). Como resultado,formou-se uma massa crítica que vem sendo<br />

incorporada por órgãos públicos, fundações e agências estrangeiras.<br />

Também foram constatados avanços no diálogo do movimento negro com o<br />

Estado, que passou a ser visto como arena privilegiada de luta por direitos. Construído<br />

a partir do final da década de 1980, esse diálogo ganhou impulso durante a<br />

preparação do Brasil para a III Conferência Mundial Contra o Racismo, a Discriminação<br />

Racial, a Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância, que se realizaria<br />

em Durban, na África do Sul, em setembro de 2001. Na oportunidade,<br />

ocorreu a I Conferência Nacional contra o Racismo e a Intolerância, no Rio de<br />

Janeiro, que contou com a participação de cerca de 1.700 delegados procedentes<br />

das mais diversas regiões do país 12 .Após a Conferência de Durban, foi criado, por<br />

decreto presidencial, o Conselho Nacional de Combate à Discriminação (CNCD),<br />

cujos objetivos principais são incentivar a criação de políticas públicas de promoção<br />

da igualdade e proteger os direitos de pessoas e grupos afetados por discriminação<br />

racial e outras formas de intolerância.<br />

Além disso, o governo federal, no período 1995-2002, reconheceu a existência<br />

de profundas desigualdades sociais entre negros e brancos e procurou incluir o<br />

tema na agenda nacional. Esse conjunto de iniciativas, no entanto, não chegou a<br />

constituir uma estratégia articulada capaz de promover a convergência e a integração<br />

das ações voltadas à plena inclusão dos brasileiros de origem africana.<br />

Após 2003, a interlocução com o governo federal encontrou novo impulso com<br />

a criação da Seppir e de vários grupos de trabalho interministeriais, medidas que<br />

abriram espaços de negociação política anteriormente inexistentes. Ainda é cedo, no<br />

entanto, para avaliar o impacto dessas iniciativas sobre as condições de vida da população<br />

negra.<br />

DESAFIOS E OBSTÁCULOS<br />

Apesar do crescimento do ativismo negro e da amplitude de seu leque de atuação,<br />

ele ainda não conseguiu se tornar um movimento de massas no Brasil, país em que<br />

quase metade da população é preta ou parda. O movimento negro agrega poucos<br />

ativistas, que em sua maioria são de classe média ou em ascensão social.A produção<br />

bibliográfica não oferece explicações conclusivas sobre isso, mas uma das hipóte-<br />

Ao longo das décadas,<br />

os censos mostram<br />

uma persistente<br />

queda da parcela da<br />

população que<br />

se autoclassifica como<br />

preta e um aumento<br />

contínuo da população<br />

que se autoclassifica<br />

como parda<br />

111<br />

ses é que esse segmento está exposto a um tipo de discriminação racial mais explícito<br />

do que aquele que atinge os mais pobres; a frustração daí decorrente teria facilitado<br />

o surgimento da consciência e do protesto racial por parte dessas pessoas. No<br />

entanto, esse recorte deve ser visto com reservas, já que o termo classe média 13 oculta<br />

diferenças raciais marcantes – as condições de vida dos negros da classe média<br />

são relativamente precárias, o que se reflete na reduzida capacidade desses cidadãos<br />

de mobilizar recursos em prol do movimento 14 .<br />

Outro aspecto que tem dificultado a mobilização da comunidade negra é o<br />

apelo social e cultural à miscigenação. Não por acaso, ao longo das décadas os censos<br />

mostram uma persistente queda da parcela da população que se autoclassifica<br />

como preta e um aumento contínuo da população que se autoclassifica como<br />

parda. Apesar de serem em geral desprezíveis as diferenças entre os indicadores<br />

sociais desses dois grupos, a miscigenação é vista como uma estratégia de superação<br />

do racismo por meio do apagamento dos traços africanos na descendência. As<br />

vantagens simbólicas da miscigenação se alimentam, no imaginário coletivo, da<br />

idéia de que o branco é a tradução do que é bom e desejável, e o negro sinônimo do<br />

que é negativo e humilhante. A visão de que a miscigenação funciona como uma<br />

solução para a superação do racismo no Brasil despolitiza o problema. Além disso,<br />

as distinções sociais de fenótipo no interior do grupo considerado negro seguirão<br />

agindo como redutores do potencial de solidariedade entre as vítimas da discriminação<br />

racial, criando um obstáculo à construção de um movimento de massas.<br />

O discurso da democracia racial também exerce um efeito “desmobilizador”,<br />

pois tem servido para negar a existência do racismo no Brasil e encobrir o caráter<br />

das desigualdades sociais. Esse discurso permeia os próprios negros parcialmente.<br />

Tal retórica foi facilitada pela integração racial na base da pirâmide social brasileira<br />

e pela inexistência de sinais ostensivos de segregação.<br />

A ampliação do movimento negro também tem encontrado desafios em<br />

temas recentes, como a polêmica sobre cotas nas universidades. A defesa de uma<br />

classificação mais restrita por fenótipo, que valorize as características africanas,<br />

ficou evidente quando estudantes com traços brancos tentaram se beneficiar do<br />

regime de cotas, alegando ancestralidade negra. Esse caso trouxe à tona as tensões<br />

existentes no interior do movimento negro: alguns setores vêm considerando tal<br />

conduta como fraude sujeita a punições legais, outros defendem uma classificação<br />

que abra espaço de identidade para os mestiços claros.<br />

Essa mudança da classificação racial inverte os esforços empreendidos nos últimos<br />

anos, quando a categoria afrodescendente foi criada para funcionar como um<br />

guarda-chuva semântico para abrigar mulheres e homens negros posicionados nas<br />

várias gradações de fenótipo. Em um país com uma história de intensa miscigenação<br />

como o Brasil, uma categorização flexível parece mais adequada aos cidadãos de<br />

origem africana do que uma que reedite padrões que vêm sendo revisados inclusive<br />

nos Estados Unidos, país que serve de referência para as lutas anti-racismo no Brasil.<br />

Outra questão a ser enfrentada para a expansão da base social do movimento é a<br />

construção de uma agenda que privilegie a luta contra a pobreza 15 .Sem a inclusão de<br />

estratégias de erradicação dos vários tipos de pobreza e da luta contra a violência e<br />

pelos direitos humanos, não serão removidas as dificuldades para construir um discurso<br />

anti-racista que mobilize a população de origem africana, condição que poderia<br />

retirar o movimento negro do relativo isolamento que experimenta 16 .

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