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É negro quem se<br />

autodeclara negro.<br />

Qualquer outro sistema de<br />

classificação carece de<br />

fundamentação lógica,<br />

uma vez que o processo<br />

de identificação é<br />

essencialmente uma<br />

escolha individual, que<br />

prescinde de qualquer<br />

forma de avaliação<br />

ou controle<br />

R ELATÓRIO DE D ESENVOLVIMENTO H UMANO - BRASIL 2005<br />

reduzir as desigualdades individuais e construir sociedades inclusivas e eqüitativas,<br />

são necessárias outras políticas, além das focalizadas, que sejam capazes de promover<br />

o desenvolvimento econômico eqüitativo.Desse modo,é imprescindível a compreensão<br />

de que políticas universalistas e políticas focalizadas devem ser implementadas<br />

simultaneamente e que a implementação – apenas e tão-somente – de políticas universalistas<br />

de crescimento econômico eqüitativo demandaria um tempo excessivamente<br />

longo para a eliminação das desigualdades raciais existentes no Brasil.<br />

O papel das políticas de ação afirmativa é – precisamente – minimizar o<br />

tempo de duração da desigualdade. Atualmente no Brasil são implementadas três<br />

formas principais dessas políticas: bolsas de estudos para preparação ao ingresso<br />

de concursos públicos,cursos pré-vestibulares exclusivos para estudantes negros e<br />

indígenas e cotas para ingresso no serviço público e em universidades. Essas três<br />

formas não são excludentes devem ser vistas de forma complementar, uma contribuindo<br />

para a eficácia da outra.<br />

A política de cotas é apenas uma das formas de implementação das políticas<br />

de ação afirmativa. O critério para a identificação recomendado pelas Nações<br />

Unidas e aplicado pela administração pública federal é o sistema da auto-identificação.<br />

Portanto, é negro quem se autodeclara negro. Qualquer outro sistema de<br />

identificação carece de fundamentação lógica, uma vez que o processo de identificação<br />

é essencialmente uma escolha individual, que prescinde de qualquer forma<br />

de avaliação ou controle. As cotas têm a função de equilibrar e tornar mais eqüitativo<br />

o sistema meritocrático. Pois, no Brasil, a capacidade intelectual e as condições<br />

socioeconômicas são as principais condicionantes do ingresso na universidade ou<br />

no serviço público. A política de cotas, nesse caso, tem por objetivo minimizar o<br />

peso das condições socioeconômicas como fator de ingresso.<br />

As Nações Unidas não têm simpatia pela utilização do conceito de cotas per se,<br />

visto que isso reduz o debate a uma reserva numérica e obriga as instituições a um<br />

processo de classificação. É preciso que se entenda que as políticas de cotas são<br />

todas integradas em ação afirmativa, mas o contrário não se aplica.A ação afirmativa,<br />

na maioria dos países que a empregam, não tem optado por cotas, exceto em<br />

termos de alguma representatividade parlamentar (normalmente em matéria de<br />

gênero), precisamente porque é uma forma acirrada de limitar o debate maior<br />

sobre questões de identidade. Cotas começaram a ser utilizadas nos Estados Unidos,<br />

mas depressa a legislação desse país também evoluiu para a noção de igualdade<br />

de oportunidades (equal opportunity).<br />

CONTRIBUIÇÃO ESPECIAL • Cotas na universidade<br />

No Brasil, o atual e acalorado debate intelectual e social sobre a adoção de ações afirmativas<br />

tem apostado em dicotomias fáceis como “sim ou não”;“a favor ou contra”.<br />

Diante dessas polaridades, a única saída parece que tem sido a seleção certeira de uma<br />

das opções, como se grandes questões não fossem passíveis de dúvida e de certa perplexidade.<br />

Vale a pena, assim, acionar o direito ao “talvez”, ou melhor, tentar explicitar<br />

diferentes lados dessa polêmica, que tem se centrado, sobretudo, na questão das cotas;<br />

armadilha complicada, uma vez que essa deveria ser apenas uma das pautas da agenda<br />

121<br />

e nem mesmo a mais importante.<br />

Na verdade, é preciso recuar no tempo e mostrar como esse jogo é mais antigo; afinal,<br />

a descoberta de que as culturas eram distintas fez parte da história da humanidade e<br />

levou à criação de uma cartografia de reações e políticas.“Bárbaros”eram os povos do<br />

Novo Mundo,“primitivos” em sua humanidade. Mas o tema, por certo, não se limita ao<br />

passado e à exaltação ingênua da diversidade.A questão é contemporânea, uma vez que<br />

o racismo representa a hierarquia reinventada em sociedades supostamente igualitárias,<br />

sobretudo a partir do século 19.A discriminação passa, assim, para a pauta da agenda<br />

de nossa era globalizada, marcada por ódios históricos, nomeados a partir da etnia, da<br />

origem, da condição ou, simplesmente,“da raça”. No entanto, essa definição ampla e<br />

generalizante acaba por falhar,quando se pretende olhar para respostas mais localizadas.<br />

Estou me referindo ao caso brasileiro, esse país de larga e violenta convivência com a<br />

escravidão, e que gerou, no discurso das elites brasileiras, discursos que opuseram termos<br />

distintos da mesma equação: românticos ou degenerados, miscigenados ou divinamente<br />

mestiços, apartheid social ou democracia cultural.<br />

Ambigüidade foi, assim, uma posição partilhada, e gerou um racismo silencioso, que se<br />

revela mais nas esferas privadas do que nos locais públicos ou,mesmo,no estatuto da lei.<br />

No entanto, quer me parecer que seria preciso levar a sério os dois lados da moeda: este<br />

é, sim, o país de um imenso gap social e econômico, que apresenta um claro abismo da<br />

desigualdade; mas é também uma nação de costumes e povos miscigenados. O que pretendo<br />

afirmar, portanto, não é que existem bons ou maus racismos. Não há bons racismos<br />

– isso é certeza –, e o nosso é apenas singular, diferente. Meu objetivo é, dessa maneira,<br />

nuançar o problema, recolocando-o sob lentes focadas. Ou seja, não me parece que seja<br />

o caso de “essencializar”a questão,traduzir saídas,ou encontrar soluções imunes ao tempo<br />

e ao espaço. Melhor é insistir numa interpretação mais atenta a essa experiência particular.Ao<br />

mesmo tempo em que convivemos não com a realidade,mas com um ideal alentado<br />

de democracia racial, um racismo evidente vigora entre nós e se apresenta nos locais<br />

mais insuspeitos: na escolaridade, na mortalidade, no acesso ao trabalho, na distribuição<br />

geográfica, na renda e até mesmo no lazer. Portanto, é preciso nomear as desigualdades<br />

e um processo social de exclusão que se remete a uma questão de classe,<br />

mas se aguça quando se trata de pensar em uma população majoritariamente negra.<br />

Assim,demonstrar certas falácias do mito da mistura racial talvez seja tão importante quanto<br />

refletir sobre sua eficácia,sua verdade enquanto representação e acerca da dificuldade<br />

que temos de lidar de frente com o tema. Por isso mesmo,é hora de discutir ações afirmativas,<br />

sim,e sobretudo de nomear a discriminação, que no Brasil é sempre matéria do outro.<br />

Todo brasileiro parece se sentir tal qual “uma ilha de democracia racial rodeada de racistas<br />

por todos os lados”, como se o problema se esgotasse na denúncia alheia. Melhor seria<br />

abrir um amplo debate sobre racismo e preconceito no Brasil,sem reduzir tudo à questão<br />

das cotas, que não cobrem o conjunto de possibilidades de uma “ação afirmativa”.<br />

No entanto, a favor do contra está a artificialidade de tal política, que não pode ser implementada<br />

tal qual varinha de condão.Talvez no contexto norte-americano a saída responda<br />

ao velho modelo do “one drop blood”, que implicou na racialização da questão,<br />

quando desigualdade era entendida na chave dos direitos civis. No Brasil, porém, o contexto<br />

político é outro, os critérios se misturam e não é o caso de cair no discurso cômodo<br />

da vala comum. Em primeiro lugar, seria preciso enfrentar a problemática questão da<br />

nomenclatura. Diante da aplicação escorregadia dos termos – que variam em função da<br />

situação social –; do uso pragmático das cores, que fez com que, diferente dos cinco

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