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Caballeros Solitários Rumo do Sol Poente

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“Sempre fui louco para ver o sol nascer quadra<strong>do</strong> para poder, finalmente, pôr a minha<br />

leitura em dia”, desfiava as suas pabulagens o velho Tom Castro. Tom Castro que mantinha,<br />

clandestinamente, uma pequeno alambique, pinga destilada de arroz e de bagaço de laranja,<br />

num mocó <strong>do</strong> presídio.<br />

Segun<strong>do</strong> o velho Tom Castro, a cadeia, não a escola, CUIDADO ESCOLA, vide placa<br />

de trânsito, a cadeia era o melhor lugar <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> para formar grandes homens e leitores como<br />

ele. Condena<strong>do</strong> a pena máxima, por justos roubos a milionários perversos, havia cumpri<strong>do</strong> o<br />

seu tempo além da conta, além <strong>do</strong> 1/6.<br />

Aproveitou que o Esta<strong>do</strong> esquecera de liberá-lo, conforme previsto nas tábuas, e foi<br />

mofan<strong>do</strong> por ali mesmo, lesma é lesma, encalacrava-se na ilusão de achar-se um leitor de verdade,<br />

o último deles, quan<strong>do</strong>, à vera, não passava de um velho fornece<strong>do</strong>r, à guisa de terapia prisional,<br />

de quadros para feiras populares, como a da Praça da República, na cidade de São Paulo.<br />

Tom Castro odiava a possibilidade de estar solto outra vez, não havia nada que o<br />

despertasse aqui fora.<br />

Amores?<br />

Ele ria de <strong>do</strong>er o estômago.<br />

Família?<br />

Ficou no ralo das punhetas e nas clínicas de aborto.<br />

Posses?<br />

Toda propriedade é um roubo, dizia o ladrão, numa entrevista imaginária que respondia,<br />

cada vez com mais perguntas, todas as noites em que os inocentes carneirinhos contabiliza<strong>do</strong>s<br />

não davam jeito no seu sono <strong>do</strong>s justos.<br />

O que vai fazer quan<strong>do</strong> se livrar das grades?<br />

Enquanto tiver livros no mun<strong>do</strong>, só saio daqui morto. A rua tem mão dupla, terreiro <strong>do</strong><br />

demo da ansiedade, gabava-se. Ora, ora, só li Guerra & Paz 42 vezes, que merda, o diabo que<br />

me livre de ser mais um analfabeto lá fora!.<br />

Tom Castro, nasci<strong>do</strong> na Vila Tolstoi, zona leste deste pueblo, defendia umas teses<br />

estranhas, todas para esconder a sua suposta pequenez de pintor de quadros kitsch. Era o<br />

melhor exemplo, há tempos, de um programa de artes plásticas nos presídios da América<br />

Latina. Um programa que combinava pintura naif e redução de penas.<br />

Master <strong>do</strong>s masters no gênero.<br />

Uma das teses estranhas, não sabemos se era desculpa ou álibi picareta, era a de<br />

que to<strong>do</strong> homem devia passar pelo menos dez por cento da sua vida na tranca, na cadeia,<br />

assim seria menos idiota.<br />

A única coisa de boa que o Esta<strong>do</strong> poderia fazer por nós, de acor<strong>do</strong> com a mente<br />

daquele velho ladrão, era essa leitura por força das circunstâncias.<br />

Vigiar e Punir, ele a<strong>do</strong>rava esse título.<br />

“Por baixo, por baixo, o filho-da-puta aqui se vicia em ler a Bíblia,” rosnava, enquanto<br />

não lia, enquanto só pintava telas com cavalos gigantes azula<strong>do</strong>s.<br />

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