Liberdade de existir - Visão Judaica
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GENTE DE VISÃO<br />
12<br />
VISÃO JUDAICA • Março <strong>de</strong> 2004 • Adar/Nissan • 5764<br />
Joel Bergman:<br />
o incansável lí<strong>de</strong>r comunitário<br />
Joel Bergman é um batalhador. Não há<br />
quem não o conheça na comunida<strong>de</strong>.<br />
Moço, teve que enfrentar os nazistas e<br />
a tragédia da guerra. Per<strong>de</strong>u pais e<br />
irmãos, mas sobreviveu, guardando<br />
como triste recordação dos tempos do<br />
Holocausto o número que lhe tatuaram<br />
no braço esquerdo. No Brasil, mais<br />
precisamente em Curitiba, começou<br />
vida nova, <strong>de</strong>dicando-se simultaneamente<br />
ao comércio e aos serviços<br />
comunitários, como na Chevra<br />
Kadisha, a instituição mantenedora<br />
da sinagoga e dos<br />
cemitérios da comunida<strong>de</strong>, do<br />
Hils Farein (Ajuda aos Necessitados),<br />
do Fundo Comunitário,<br />
Beit Chabad, foi fundador e<br />
ainda participa da B’nai B’rith<br />
em Curitiba, na Loja Chaim<br />
Weizmann. Ele é nosso “Gente<br />
<strong>de</strong> visão” <strong>de</strong>ste mês.<br />
<strong>Visão</strong> <strong>Judaica</strong> — On<strong>de</strong> e quando<br />
nasceu?<br />
Joel Bergman — Nasci em<br />
Pabjanice, perto <strong>de</strong> Lodz, na Polônia,<br />
em 17 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1921.<br />
VJ — Como era sua vida lá?<br />
JB — Minha casa era religiosa.<br />
Estu<strong>de</strong>i para ser shochet (magarefe<br />
ritual), mas em 1939 quando tinha 18<br />
anos, os alemães invadiram a Polônia<br />
e começou a 2ª Guerra Mundial, sobrevindo<br />
<strong>de</strong>pois o Holocausto.<br />
VJ — De que forma conseguiu<br />
sobreviver ao Holocausto?<br />
JB — Éramos seis irmãos. Com o<br />
início da guerra, meu irmão mais velho<br />
fugiu para a Rússia e nunca mais<br />
soube <strong>de</strong>le. Depois da invasão da<br />
Polônia, os alemães exigiram traba-<br />
Foto:Szyja Lorber<br />
Joel Bergman e o número <strong>de</strong> Auschwitz em seu braço<br />
lhadores e pegaram meu irmão menor<br />
<strong>de</strong> 16 anos. Consultei meus pais<br />
e <strong>de</strong>cidi me oferecer em seu lugar<br />
para ser enviado aos campos <strong>de</strong> trabalho<br />
forçado em Neubenchen, na<br />
fronteira com a Alemanha. Pensava<br />
que assim estava salvando meu irmão.<br />
Dois dias mais tar<strong>de</strong> pegaramno<br />
<strong>de</strong> novo e o levaram também para<br />
a fronteira. Durante um bom tempo<br />
no campo <strong>de</strong> trabalho, alguém <strong>de</strong>ixava<br />
todo dia um bal<strong>de</strong> com batatas<br />
cozidas. Isso foi minha salvação e a<br />
<strong>de</strong> muitos outros. Nunca fiquei sabendo<br />
quem foi nosso salvador. Todos<br />
os dias morriam <strong>de</strong> fome, doenças<br />
e maus tratos 10, 15 até 20 pessoas<br />
e seus corpos eram empilhados<br />
fora do local <strong>de</strong> trabalho. Tínhamos<br />
cotas <strong>de</strong> trabalho, e eu sempre consegui<br />
cumpri-las. Isso também me<br />
ajudou. Mais tar<strong>de</strong> fui mandado para<br />
o campo <strong>de</strong> concentração <strong>de</strong> Auschwitz.<br />
Duas ou três semanas mais<br />
tar<strong>de</strong> mandaram mil pessoas <strong>de</strong>smontar<br />
e limpar o Gueto <strong>de</strong> Varsóvia que<br />
então tinha sido <strong>de</strong>struído. Faltavam<br />
oito homens e então colocaram os<br />
primeiros que apareciam. Eu estava<br />
entre eles. Tínhamos que limpar 1250<br />
tijolos por dia, do <strong>de</strong>smonte do gueto,<br />
para a sua reutilização em construções.<br />
De lá me levaram para Mildorf,<br />
uma fábrica alemã <strong>de</strong> munições<br />
on<strong>de</strong> fiquei até o final da guerra. Três<br />
dias antes do fim, nos embarcaram<br />
<strong>de</strong> trem para ir ao Tirol, na Áustria,<br />
on<strong>de</strong> provavelmente seríamos fuzilados.<br />
Mas a ferrovia foi bombar<strong>de</strong>ada<br />
e ficamos presos <strong>de</strong>ntro dos vagões<br />
<strong>de</strong> gado por dois ou três dias (não<br />
sei quantos!) amontoados, sem água,<br />
comida e sem po<strong>de</strong>r sair para fazer<br />
as necessida<strong>de</strong>s. Finalmente apareceram<br />
os norte-americanos. Eu tinha<br />
38 quilos quando fui libertado. Existe<br />
um ví<strong>de</strong>o na escola Israelita, acho que<br />
feito em 2001, on<strong>de</strong> relato tudo isso.<br />
Além disso, fui um dos sobreviventes<br />
que prestou <strong>de</strong>poimento à Fundação<br />
Spielberg, para os arquivos do Museu<br />
do Holocausto em Los Angeles e já<br />
<strong>de</strong>i muitas entrevistas a jornais e estudantes<br />
sobre o tema.<br />
VJ — Quando veio para o Brasil?<br />
Com quem se casou?<br />
JB — Foi em 1957. Mas antes<br />
disso me casei com Tubi (Tova em<br />
hebraico), na Alemanha, para on<strong>de</strong> fui<br />
enviado, e fui para Israel on<strong>de</strong> eu tinha<br />
um tio, Israel Bergman. Morei em<br />
Rehovot. Vim para o Brasil para reencontrar<br />
meu irmão mais novo, Samuel,<br />
que al,émd e mim, foi o único da minha<br />
família a sobreviver, que então<br />
morava em São Paulo. Sara, minha<br />
única filha, mora em São Paulo e tem<br />
dois filhos. Fiquei em São Paulo, por<br />
um mês e ouvi falar que em Curitiba<br />
tinha ju<strong>de</strong>us <strong>de</strong> origem polonesa.<br />
VJ — Como foi sua chegada a<br />
Curitiba?<br />
JB — São Paulo era muito gran<strong>de</strong><br />
e eu não estava acostumado com<br />
isso. Assim, vim para cá e gostei <strong>de</strong><br />
Curitiba, on<strong>de</strong> logo fiz alguns negócios,<br />
pois comprava em nome do meu<br />
irmão que já estava estabelecido,<br />
roupas feitas, para revendê-las. Logo,<br />
aluguei uma loja na Rua Westphalen<br />
e passei a trabalhar. A colônia em<br />
Curitiba era muito fechada naquele