Liberdade de existir - Visão Judaica
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“Vocês julgam e<br />
eu enterro meu<br />
marido”<br />
Fanny Haim *<br />
Hoje vocês se sentarão lá em<br />
Haia e o julgamento começará. Hoje<br />
eu enterro meu marido, e isso me<br />
parte o coração.<br />
Eu não sou política. Dirijo-me a vocês<br />
como alguém que per<strong>de</strong>u seu marido,<br />
como uma pessoa cujo coração foi<br />
<strong>de</strong>stroçado, e como uma pessoa a quem<br />
a cerca <strong>de</strong> separação po<strong>de</strong>ria ter evitado<br />
sua tragédia. Estive casada com<br />
Yehudá por 21 anos. Foi o amor <strong>de</strong> minha<br />
juventu<strong>de</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os 15 anos. A irmã<br />
<strong>de</strong> Yehudá é a esposa do Agregado Comercial<br />
<strong>de</strong> Israel em Haia e trabalha lá<br />
na Embaixada. Faz meses que ela, seu<br />
marido e o pessoal da Embaixada tentam<br />
abrir os olhos do mundo. Faz meses<br />
que lutam pelos direitos do Estado<br />
<strong>de</strong> Israel. E eu, o que po<strong>de</strong>ria pedir?<br />
Só meu pequeno direito, o direito<br />
a ter um marido, o direito <strong>de</strong> ver, junto<br />
com ele, nossos filhos crescerem, educarem-se<br />
e servirem no exército.<br />
Esse direito já não o tenho mais.<br />
Mas hoje vocês po<strong>de</strong>m fazer com outras<br />
famílias em Israel tenham o direito<br />
básico <strong>de</strong> manter uma família feliz;<br />
<strong>de</strong> levantar-se pela manhã sem morte,<br />
orfanda<strong>de</strong> e viuvez, sem lápi<strong>de</strong>s e sem<br />
cemitérios. Hoje, quando começarem<br />
<strong>de</strong>bater os gran<strong>de</strong>s assuntos, pensem<br />
— ainda que seja por um instante —<br />
nas pequenas pessoas que vivem atrás<br />
<strong>de</strong>ste conflito sangrento. Pensem por<br />
um instante no coração <strong>de</strong> ouro <strong>de</strong><br />
Yehudá meu esposo, ou em meu filho<br />
pequeno, Avner. Talvez vocês possam<br />
tentar explicar-lhe, com seus apenas 10<br />
anos, por quê diabos não tem mais pai.<br />
Hoje entrarão na sala on<strong>de</strong> vocês<br />
encontrarão pessoas que falarão, que<br />
acusarão. Em minha casa entrarão pessoas<br />
para expressar condolências e eu<br />
não conseguirei enten<strong>de</strong>r, e sem dúvida<br />
não encontrarei consolo. À noite,<br />
vocês regressarão a suas casas, beijarão<br />
seus cônjuges, abraçarão seus filhos,<br />
mas e eu permanecerei só.<br />
É verda<strong>de</strong>, a política está distante<br />
<strong>de</strong> mim, mas agora que a morte e a perda<br />
estão tão <strong>de</strong>masiadamente próximas<br />
<strong>de</strong> mim creio que obtive com justiça,<br />
com lágrimas, o direito <strong>de</strong> dirigir-me a<br />
vocês e dizer-lhes: Se houvesse uma<br />
cerca em toda a extensão do país quem<br />
sabe, também eu, como vocês, pu<strong>de</strong>sse<br />
esta noite beijar meu marido.<br />
Não julguem meu país, não lhe impeçam<br />
<strong>de</strong> evitar mais vítimas.<br />
Eu enterrei hoje o meu marido. Vocês,<br />
não enterrem a Justiça.<br />
* Fanny Haim é viúva <strong>de</strong> Yehudá Haim,<br />
uma das vítimas <strong>de</strong> atentado recente,<br />
que se dirigiu aos juízes <strong>de</strong> Haia.<br />
Publicado por Nurith Palter no jornal<br />
Iediot Aharonot em 23/2/2004<br />
23<br />
Deve a Corte Internacional <strong>de</strong> Justiça<br />
opinar sobre a cerca <strong>de</strong> segurança?<br />
Ruth Lapidoth *<br />
Já que os palestinos não po<strong>de</strong>m processar<br />
Israel na Corte Internacional <strong>de</strong><br />
Justiça (ICJ) com uma ação litigiosa —<br />
porque não são um Estado e porque Israel<br />
não aceitou a jurisdição da Corte,<br />
os palestinos usaram sua influência junto<br />
à Assembléia Geral que então pediu uma<br />
opinião consultiva.<br />
A sessão especial <strong>de</strong> emergência da<br />
Assembléia Geral foi organizada <strong>de</strong> acordo<br />
com a Resolução Unidos pela Paz, <strong>de</strong><br />
1950, que estabelece certas condições a<br />
serem cumpridas antes que a Assembléia<br />
Geral possa agir e estas condições não<br />
foram cumpridas no presente caso.<br />
Além disso, o assunto já está sendo<br />
tratado pelo Conselho <strong>de</strong> Segurança que<br />
adotou o “Mapa da Estrada.” O pedido<br />
para uma opinião consultiva prejudica o<br />
“Mapa da Estrada” e as tentativas <strong>de</strong><br />
encontrar uma ampla solução para a disputa<br />
palestino-israelense.<br />
Em 20 <strong>de</strong> novembro do ano passado,<br />
a Assembléia Geral da ONU pediu à Corte<br />
que opinasse sobre a questão: “Quais são<br />
as conseqüências legais da construção por<br />
Israel do muro, o po<strong>de</strong>r ocupante, no território<br />
palestino ocupado....” A opinião<br />
<strong>de</strong> Israel é <strong>de</strong> que a corte não tem jurisdição<br />
para tratar <strong>de</strong>sta questão. Mesmo<br />
se tivesse, a corte <strong>de</strong>veria se abster <strong>de</strong><br />
exercê-la —como será explicado abaixo.<br />
A Corte Internacional<br />
<strong>de</strong> Justiça<br />
O ICJ é o principal órgão judicial da<br />
ONU. Foi criado em 1922, à época da<br />
Liga <strong>de</strong> Nações, e renovado em 1946. A<br />
corte tem dois tipos <strong>de</strong> funções:<br />
1) resolver disputas entre Estados por<br />
meio <strong>de</strong> julgamentos; esta função só po<strong>de</strong><br />
ser exercitada se ambos os estados aceitarem<br />
a submissão do caso junto a corte.<br />
2) opinar em questões legais a ela submetidas<br />
por um órgão principal da ONU<br />
ou outra organização internacional (as<br />
“agências especializadas”) autorizada pela<br />
Assembléia Geral da ONU. As opiniões consultivas<br />
não são compulsórias 1. A corte<br />
po<strong>de</strong> também se recusar a dar uma certa<br />
opinião — é um po<strong>de</strong>r discricionário.<br />
Condições do Caso<br />
Em 21 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2003, a Assembléia<br />
Geral das Nações Unidas adotou uma<br />
resolução que exigiu “a parada e a reversão<br />
por parte <strong>de</strong> Israel” da construção<br />
da cerca que, <strong>de</strong> acordo com a Assem-<br />
VISÃO JUDAICA • Março <strong>de</strong> 2004 • Adar/Nissan • 5764<br />
bléia Geral, “está em contradição” com a lei<br />
internacional (uma proposta semelhante já<br />
tinha sido vetada anteriormente no Conselho<br />
<strong>de</strong> Segurança). Consi<strong>de</strong>rando que Israel<br />
não se submeteu a este pedido, a Assembléia<br />
Geral pediu para o ICJ uma opinião consultiva<br />
sobre a questão acima mencionada.<br />
Deve ser observado que a pergunta diz respeito<br />
a um “muro” enquanto a barreira é<br />
basicamente uma cerca, e apenas algo em<br />
torno <strong>de</strong> 5% <strong>de</strong>la estão na forma <strong>de</strong> muro.<br />
Neste caso, os palestinos não po<strong>de</strong>m<br />
processar Israel como uma ação litigiosa<br />
entre Estados junto a corte. Em primeiro<br />
lugar porque os palestinos não são um Estado<br />
e em segundo porque Israel não aceitou<br />
a jurisdição da corte. Para evitar este<br />
problema, os palestinos usaram a sua influência<br />
junto a Assembléia Geral que então<br />
solicitou uma opinião consultiva.<br />
As Características da Cerca<br />
A cerca não envolve qualquer anexação;<br />
foi estabelecida por razões <strong>de</strong> segurança.<br />
A terra utilizada não foi confiscada,<br />
mas requisitada por três anos. Um aluguel<br />
está sendo pago pelo uso da terra.<br />
Por que a Corte <strong>de</strong>ve<br />
recusar-se a opinar?<br />
Curiosamente, em trinta das quase cinqüenta<br />
petições submetidas à corte sobre<br />
este assunto, a sugestão expressa foi a <strong>de</strong><br />
que a corte não <strong>de</strong>veria opinar. Até mesmo<br />
em algumas <strong>de</strong>clarações que questionam a<br />
legalida<strong>de</strong> da cerca, os autores <strong>de</strong>saconselham<br />
o exercício <strong>de</strong> jurisdição da corte.<br />
Os principais argumentos <strong>de</strong> Israel contra<br />
o exercício <strong>de</strong> jurisdição po<strong>de</strong>m ser assim<br />
resumidos:<br />
1) a Assembléia Geral agiu fora da legalida<strong>de</strong><br />
ao pedir uma opinião consultiva,<br />
já que as condições para a atuação da Assembléia<br />
Geral, conforme a resolução <strong>de</strong><br />
paz <strong>de</strong> 1950 não existem.<br />
2) o assunto é principalmente <strong>de</strong> natureza<br />
política e então <strong>de</strong>veria ser negociado<br />
por meios diplomáticos e políticos.<br />
3) o pedido prejudica a ação do Conselho<br />
<strong>de</strong> Segurança que adotou em 2003 o Mapa<br />
da Estrada, patrocinado pelos Estados Unidos,<br />
Rússia, ONU e Comunida<strong>de</strong> Européia.<br />
4) a cerca é um dos assuntos do conflito<br />
maior palestino-israelense. A escolha<br />
<strong>de</strong>ste único artigo causa prejuízos aos esforços<br />
para alcançar uma solução compreensiva.<br />
5) a própria Assembléia Geral já tinha<br />
<strong>de</strong>cidido quanto a legalida<strong>de</strong> da cerca, pare-<br />
ce que é supérfluo submeter o questionamento<br />
ao ICJ.<br />
6) esta é uma tentativa para fazer com<br />
que a corte <strong>de</strong>cida uma ação litigante por<br />
meio <strong>de</strong> uma opinião consultiva.<br />
7) a reputação da própria corte po<strong>de</strong><br />
sofrer prejuízos envolvendo-se em um assunto<br />
altamente político.<br />
A Atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> Israel<br />
Israel submeteu ao ICJ uma <strong>de</strong>claração<br />
escrita <strong>de</strong>talhada que trata da pergunta <strong>de</strong><br />
jurisdição e o <strong>de</strong>coro <strong>de</strong> dar uma opinião<br />
consultiva. A <strong>de</strong>claração também <strong>de</strong>screve<br />
situação efetiva —- os terríveis atos terroristas<br />
que a cerca <strong>de</strong>ve prevenir ou pelo<br />
menos reduzir.<br />
Porém, Israel <strong>de</strong>cidiu não participar nas<br />
audiências realizadas entre 23 e 25 <strong>de</strong> fevereiro,<br />
por várias razões:<br />
A participação <strong>de</strong> Israel nos procedimentos<br />
po<strong>de</strong>ria ser interpretada como reconhecimento<br />
da jurisdição da corte quanto ao assunto.<br />
Tal participação também po<strong>de</strong>ria induzir<br />
os palestinos e seus aliados a transformar<br />
o caso num espetáculo <strong>de</strong> relações públicas<br />
que nega o direito <strong>de</strong> Israel <strong>existir</strong>,<br />
como aconteceu em Durban (África do Sul)<br />
na Conferência contra Racismo.<br />
Israel <strong>de</strong>clarou e explicou todos os seus<br />
argumentos por escrito.<br />
Nota<br />
1. Somente ao agir como uma corte<br />
superior contra <strong>de</strong>cisões do Tribunal<br />
Administrativo da ONU -, como e disputas<br />
entre a ONU e seus empregados – são as<br />
opiniões consultivas obrigatórias.<br />
Ruth Lapidoth faz parte do Centro para Assuntos<br />
Públicos <strong>de</strong> Jerusalém. Professora emérita <strong>de</strong><br />
Lei Internacional da Universida<strong>de</strong> Hebraica <strong>de</strong><br />
Jerusalém e professora da Escola <strong>de</strong> Direito da<br />
Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Administração. Seus livros<br />
incluem ‘O Conflito <strong>de</strong> Árabe-Israelense e Sua<br />
Resolução: Documentos Selecionados’ (1992),<br />
‘A Questão <strong>de</strong> Jerusalém e sua Resolução:<br />
Documentos Selecionados’ (1994), ‘Autonomia:<br />
Soluções Flexíveis para Conflitos Étnicos’<br />
(1997), e ‘A Cida<strong>de</strong> Velha <strong>de</strong> Jerusalém’ (2002).<br />
Ela também é a autora <strong>de</strong> ‘Aspectos Legais da<br />
Questão dos Refugiados Palestinos’, ‘Pontos <strong>de</strong><br />
Vista <strong>de</strong> Jerusalém Nº 485’ (setembro <strong>de</strong> 2002).<br />
Em 2000 recebeu ela o Prêmio ‘Mulher<br />
Proeminente em Lei internacional” do grupo<br />
Wilig da Socieda<strong>de</strong> Americana <strong>de</strong> Lei<br />
Internacional. Este artigo tem como base a<br />
apresentação realizada no Instituto para<br />
Assuntos Contemporâneos, em Jerusalém, no<br />
dia 2 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2004. O texto está<br />
disponível em inglês em http://www.jcpa.org/<br />
brief/brief3-18.htm, site do Centro para Assuntos<br />
Públicos <strong>de</strong> Jerusalém, cujo editor é Dore Gold,<br />
diretor <strong>de</strong> programas do ICA Lenny Bem-David e<br />
editor gerente Mark Amil-El. As opiniões<br />
expressas neste artigo necessariamente não<br />
refletem as idéias dos membros do Centro para<br />
Assuntos Públicos <strong>de</strong> Jerusalém. O Instituto<br />
para Assuntos Contemporâneos (ICA) é<br />
<strong>de</strong>dicado a prover um foro para discussão <strong>de</strong><br />
política israelense e <strong>de</strong>bates.