Liberdade de existir - Visão Judaica
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* Nahum Sirotsky é<br />
jornalista,<br />
correspon<strong>de</strong>nte da RBS<br />
em Israel e colunista do<br />
Último Segundo/IG. A<br />
publicação <strong>de</strong>sta coluna<br />
tem a autorização do<br />
autor.<br />
Entrevista com Elie Wiesel<br />
VISÃO JUDAICA • Março <strong>de</strong> 2004 • Adar/Nissan • 5764<br />
Mubarak dá aulas <strong>de</strong> política<br />
Nahum Sirotsky * nas pacificar o Iraque. Ele quer <strong>de</strong>- Não há nem sombra <strong>de</strong> entendi-<br />
De Israel — Óbvio que estamos<br />
acompanhando as confusões políticas<br />
no Brasil. Mas, aqui, no Oriente<br />
Médio, existem sinais preocupantes.<br />
Existiam informações <strong>de</strong> que os egípcios<br />
assumiriam a manutenção da<br />
or<strong>de</strong>m da Faixa <strong>de</strong> Gaza quando <strong>de</strong>la<br />
fossem retirados colonos ju<strong>de</strong>us e a<br />
tropa <strong>de</strong> Israel. Mubarak, o presi<strong>de</strong>nte<br />
egípcio no po<strong>de</strong>r, nega e acaba <strong>de</strong><br />
dizer que não topa a missão. É <strong>de</strong>cisão<br />
<strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s conseqüências.<br />
Até acredito que aí em Casa,<br />
nem se atente para a crise<br />
aqui. Temos <strong>de</strong>mais. Porém, as<br />
minorias em posição <strong>de</strong> comocracias<br />
no Oriente Médio no lugar<br />
do autoritarismo, ditaduras e monarquias.<br />
Mubarak, o gran<strong>de</strong> aliado americano<br />
no mundo árabe, respon<strong>de</strong> que<br />
o plano americano <strong>de</strong> reformas políticas<br />
“não terá sucesso, resultará em<br />
anarquia na região e, em qualquer<br />
hipótese, nada po<strong>de</strong> dar certo sem a<br />
solução do conflito israelense-palestino”.<br />
E mais “que os americanos<br />
parece que não enten<strong>de</strong>m que tudo<br />
que vier <strong>de</strong> fora será rejeitado pelos<br />
nossos povos. Haverá confusão do<br />
Marrocos ao Paquistão. Os terroristas<br />
se aproveitarão e atacarão aqui,<br />
na Europa e nos Estados Unidos”.<br />
mento entre israelenses e palestinos.<br />
Na zona <strong>de</strong> Gaza só piora. Sharon<br />
anuncia que quer sair <strong>de</strong> Gaza. Como<br />
parte <strong>de</strong> medidas <strong>de</strong> solução unilateral<br />
do conflito. Arafat, que <strong>de</strong>veria<br />
estar pressionando por retomada <strong>de</strong><br />
negociações, quer tropas internacionais<br />
separando os lados. Ninguém se<br />
movimenta no sentido da paz.<br />
Mubarak, do Egito, em conversa<br />
com Le Figaro, diário <strong>de</strong> Paris, acaba<br />
<strong>de</strong> afirmar que “cabe à Autorida<strong>de</strong><br />
Palestina a segurança e tranqüilida<strong>de</strong><br />
em Gaza. Eles precisam dos meios<br />
para isto”. Mubarak confessa o receio<br />
que se mandar forças haverá a possimando<br />
precisam saber. No<br />
nosso mundo, como já foi<br />
lembrado, mariposa bate as<br />
asas na China e escala num tu-<br />
No fim <strong>de</strong> março os lí<strong>de</strong>res árabes<br />
se reúnem em Tunis, Tunísia, para<br />
respon<strong>de</strong>rem em conjunto a iniciativa<br />
americana. Em abril Mubarak vai<br />
bilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que se choquem com<br />
elementos palestinos. E mais, se<br />
houver problema ”po<strong>de</strong>remos nos<br />
ver em conflito com os israelenses”.<br />
fão no Texas. Se a crise da Argentina<br />
com o FMI se aprofunda, vai<br />
doer no Brasil. A globalização é maquiavélica.<br />
O ruim vem instantaneamente,<br />
o bom em etapas.<br />
a Bush explicar as <strong>de</strong>cisões árabes<br />
Os povos árabes acompanham pela<br />
televisão árabe o que acontece no<br />
conflito com Israel. Não há ambiente<br />
para iniciativa alguma que pareça<br />
Concordou, indiretamente, que é<br />
confuso o ambiente em Gaza. O que<br />
teme po<strong>de</strong> acontecer.<br />
Existe o rumor, <strong>de</strong> fontes <strong>de</strong> um<br />
agência <strong>de</strong> origem evangélica, <strong>de</strong> que<br />
Acontece que Bush não tenta ape- simpática aos ju<strong>de</strong>us.<br />
o Hamas, o mais po<strong>de</strong>roso e organi-<br />
Pergunta — Para os palestinos, é um instrumento<br />
<strong>de</strong> segregação que os afeta gravemente.<br />
Resposta — Graças a essa barreira, pouquíssimos<br />
terroristas têm conseguido entrar no país, e<br />
assim se salvarão muitas vidas, não só israelenses,<br />
mas também palestinas, já que após cada atentado<br />
suicida a resposta do Estado [israelí] provoca novas<br />
vítimas entre os palestinos. Não esqueçamos que esta<br />
medida não foi inspirada por uma <strong>de</strong>cisão política,<br />
mas pela segurança nacional: se se chega a um acordo<br />
<strong>de</strong> paz entre as partes, serão suficientes uns poucos<br />
dias para <strong>de</strong>rrubá-la.<br />
P — Acha que os palestinos estão ganhando a<br />
guerra dos meios <strong>de</strong> comunicação?<br />
R — Israel está lutando por sua própria existência<br />
e sua priorida<strong>de</strong> absoluta é salvar vidas e <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r<br />
a dignida<strong>de</strong> das pessoas que <strong>de</strong>sejam viver. Explicar<br />
ao mundo suas razões e satisfazer a opinião<br />
pública não po<strong>de</strong> portanto estar mais que em segundo<br />
lugar.<br />
P — Até a administração Bush tem expressado<br />
não poucas reservas nas discussões sobre o muro.<br />
R — Insisto, é um problema <strong>de</strong> linguagem. Jamais<br />
se <strong>de</strong>veria chamar <strong>de</strong> muro, porque essa palavra<br />
tem estranhas conotações que <strong>de</strong>spertam velhos<br />
fantasmas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o muro <strong>de</strong> Varsóvia, ao muro<br />
<strong>de</strong> Berlim e estimulam os círculos <strong>de</strong> Arafat, que<br />
o rebatizou como “o muro nazista”. Mas é pelo<br />
menos ofensivo e repugnante comparar qualquer<br />
coisa que suceda em Israel com o passado trágico<br />
zado grupo fundamentalista palestino,<br />
responsável pela maioria dos ataques<br />
<strong>de</strong> homens-bomba a Israel, e<br />
ultimamente, <strong>de</strong>senvolvendo mísseis<br />
Kassam, que projeta sobre centros<br />
urbanos em Israel, até agora sem<br />
sucesso, treina e cria força regular<br />
para tomar o po<strong>de</strong>r em Gaza se, e<br />
quando Sharon tirar sua tropa e colonos.<br />
Fala-se em 20 mil homens. O<br />
general Yalon, comandante em chefe<br />
das Forças Armadas <strong>de</strong> Israel, prevê<br />
que a simples hipótese <strong>de</strong> retirada<br />
<strong>de</strong> sua gente faz aumentar os ataques<br />
palestinos. Sair <strong>de</strong> Gaza, <strong>de</strong>ixando<br />
a impressão <strong>de</strong> retirada sob<br />
fogo, só aumentará a audácia das<br />
forças extremistas, insiste.<br />
Mubarak quer tranqüilida<strong>de</strong>. Bush<br />
quer evitar escalada <strong>de</strong> violência<br />
entre israelenses e palestinos pelo<br />
menos até <strong>de</strong>pois das eleições gerais<br />
americanas, no fim do ano, que<br />
preten<strong>de</strong> vencer.<br />
As eleições americanas po<strong>de</strong>m ser<br />
<strong>de</strong>cididas pelos acontecimentos no Oriente<br />
Médio. Enten<strong>de</strong>m, a globalização?<br />
Anti-semitismo e cerca são faces <strong>de</strong> uma mesma moeda<br />
Graças a essa barreira, pouquíssimos terroristas<br />
têm conseguido entrar no país, e assim se salvarão<br />
muitas vidas, não só israelenses, mas também palestinas,<br />
já que após cada atentado suicida a resposta<br />
do Estado [israelí] provoca novas vítimas entre<br />
os palestinos. Não esqueçamos que esta medida<br />
não foi inspirada por uma <strong>de</strong>cisão política, mas pela<br />
segurança nacional: se se chegar a um acordo <strong>de</strong><br />
paz entre as partes, serão suficientes uns poucos<br />
dias para <strong>de</strong>rrubá-la.<br />
Nova York — “Francamente, não consigo compreen<strong>de</strong>r<br />
tanto barulho por nada. O que se construiu<br />
em Israel não é um muro, mas uma cerca para<br />
proteger o país dos ataques suicidas dos kamikazes.<br />
Tenta-se cumprir essa função, que por outro lado é<br />
provisória e indiscutível.”<br />
Quem fala é Elie Wiesel, renomado escritor e prêmio<br />
Nobel da Paz, que escapou <strong>de</strong> Auschwitz e que<br />
se diz contrário ao “processo” iniciado dias atrás<br />
na Corte Internacional <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> Haia para discutir<br />
a legitimida<strong>de</strong> da cerca que Israel constrói para<br />
separá-lo da Cisjordânia.<br />
“Penso que cada nação soberana e cada governo<br />
civil têm o direito-<strong>de</strong>ver <strong>de</strong> <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r seus próprios<br />
cidadãos como melhor pu<strong>de</strong>rem — explica Wiesel.<br />
Certamente não é tarefa do tribunal da ONU imiscuir-se<br />
neste assunto, or<strong>de</strong>nando a Israel não <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r<br />
as suas próprias mulheres, anciãos e crianças.<br />
Será que esse tribunal está disposto a proteger<br />
os inocentes que são assassinados todos os dias pelos<br />
terroristas? Se a resposta é sim, então po<strong>de</strong>mos<br />
falar em <strong>de</strong>rrubar essa cerca.”<br />
<strong>de</strong> seus habitantes.<br />
A única saída <strong>de</strong>sta espiral <strong>de</strong> ódio é retomar o<br />
diálogo. Isto só se po<strong>de</strong>rá acontecer quando ambas<br />
as partes baixem o volume e a violência dos insultos<br />
recíprocos. Por ora, Israel <strong>de</strong>ve continuar fazendo o<br />
que faz, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r-se com uma cerca ou obstáculo<br />
que, não o esqueçamos, entre vizinhos é normal.<br />
P — É otimista?<br />
R — Se alguém me tivesse dito em 1945 que<br />
viveria para participar <strong>de</strong>sta campanha em 2004, não<br />
teria acreditado jamais. Estava convencido <strong>de</strong> que o<br />
anti-semitismo havia morrido em Auschwitz, mas em<br />
contrapartida constatei com estupor que só os ju<strong>de</strong>us<br />
morreram nesse lugar, enquanto que o antisemitismo<br />
está mais são e vigoroso que nunca. Tem<br />
sido a realida<strong>de</strong> mais dolorosa que comprovei na<br />
minha vida.<br />
P — Anti-semitismo e a cerca são faces <strong>de</strong> uma<br />
mesma moeda?<br />
R —Sim, mas a Europa po<strong>de</strong> fazer muito, já que,<br />
da inquisição às cruzadas, e até os pogroms, o antisemitismo<br />
é uma enfermida<strong>de</strong> européia. Jamais esqueço<br />
das vezes em que a Europa tem abandonado<br />
Israel. Em 1973, quando estava por per<strong>de</strong>r a guerra<br />
<strong>de</strong> Yom Kipur, que <strong>de</strong>via <strong>de</strong>cidir a própria existência,<br />
os norte-americanos começaram a enviar aviões,<br />
mas nenhuma só nação européia permitiu sua aterrisagem<br />
para reabastecer. Que recor<strong>de</strong>m bem esse<br />
triste capítulo da história os lí<strong>de</strong>res europeus que<br />
hoje atacam a cerca.<br />
Originalmente publicado dia 25/2/2004 no jornal italiano Corriere <strong>de</strong>lla Sera. Entrevista concedida por Elie Wiesel à<br />
jornalista Alessandra Farkas. Republicado no jornal argentino La Nación, com tradução <strong>de</strong> María Elena Rey.