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Carl_Sagan_O_Mundo_Assombrado_pelos_Demonios

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demoníaca. Assim, ela silencia. Dias mais tarde, vê-se novamente diante de<br />

Maria, um pouco aborrecida pelo fato de seu pedido não ter sido atendido.<br />

“Eles não acreditam em mim”, queixa-se a testemunha. “Dê-me um<br />

sinal.” É necessário uma prova.<br />

Assim, Maria – que aparentemente não sabia de antemão que uma<br />

prova teria de ser providenciada – dá um sinal. Os habitantes da vila e os<br />

padres são convencidos de imediato. O altar é construído. Ocorrem curas<br />

milagrosas nos arredores. Os peregrinos vêm de toda parte. A economia da<br />

região experimenta um crescimento explosivo. A testemunha original é<br />

nomeada guardiã do altar sagrado.<br />

Na maioria dos casos que conhecemos, uma comissão de inquérito,<br />

composta de líderes cívicos e eclesiásticos, comprovou a autenticidade da<br />

aparição – apesar do ceticismo inicial, quase exclusivamente masculino. Mas<br />

os padrões de evidência não eram em geral elevados. Num dos casos, o<br />

testemunho delirante de um menino de oito anos, tomado dois dias antes de<br />

ele morrer vítima da peste, foi aceito com seriedade. Algumas dessas<br />

comissões deliberam décadas e até um século depois do evento.<br />

Em On the distinction between true and false visions, um especialista no<br />

assunto, Jean Gerson, ao redor de 1400, resumiu os critérios empregados para<br />

reconhecer a testemunha fidedigna de uma aparição: um deles era a boa<br />

vontade para aceitar os conselhos da hierarquia política e religiosa. Assim,<br />

qualquer um que percebesse uma visão perturbadora para os que detinham o<br />

poder era ipso facto uma testemunha pouco confiável, e podia-se fazer com<br />

que os santos e as virgens dissessem aquilo que as autoridades queriam<br />

ouvir.<br />

Os “sinais” alegadamente fornecidos por Maria, as evidências<br />

oferecidas e consideradas convincentes, incluíam uma vela comum, um<br />

pedaço de seda e uma pedra magnética; um pedaço de ladrilho colorido;<br />

pegadas; a rapidez inusitada com que a testemunha conseguia colher cardos;<br />

uma simples cruz de madeira enterrada no chão; vergões e ferimentos na<br />

testemunha; e uma variedade de contorções – uma menina de doze anos com<br />

a mão estendida de forma esquisita, as pernas viradas para trás, ou de boca<br />

fechada, o que a tornava temporariamente muda – que são “curadas”, assim<br />

que a história é aceita.<br />

Em alguns casos, os relatos podem ter sido comparados e<br />

coordenados, antes que se prestasse o testemunho. Por exemplo, várias<br />

testemunhas de uma cidadezinha poderiam falar de uma mulher alta,<br />

brilhante, toda vestida de branco, carregando nos braços o filho pequeno, e<br />

rodeada por uma radiância que teria iluminado a rua na noite anterior. Mas,<br />

em outros casos, as pessoas que estavam bem ao lado da testemunha nada<br />

viram, como neste relatório de uma aparição de 1617, em Castela:

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