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Carl_Sagan_O_Mundo_Assombrado_pelos_Demonios

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altruisticamente a Ásia oriental do colonialismo europeu e norte-americano; a<br />

Polônia foi invadida em 1939, afirmavam os historiadores nazistas, porque,<br />

de forma cruel e sem ser provocada, atacou a Alemanha; os historiadores<br />

soviéticos pretextavam que as tropas soviéticas que reprimiram as revoluções<br />

húngara (1956) e tcheca (1968) não foram convocadas por agentes russos, mas<br />

por aclamação do povo nas nações invadidas; as histórias belgas tendem a<br />

atenuar as atrocidades cometidas quando o Congo era um feudo privado do<br />

rei da Bélgica; os historiadores chineses esquecem estranhamente as dezenas<br />

de milhões de mortes causadas pelo Grande Salto para Frente de Mao<br />

Zedong; que Deus tolera e até defende a escravidão foi repetidamente<br />

afirmado no púlpito e nas escolas das sociedades escravagistas, mas os<br />

Estados cristãos que libertaram os seus escravos silenciam em grande parte<br />

sobre o assunto; um historiador tão brilhante, difundido e equilibrado como<br />

Edward Gibbon não quis se encontrar com Benjamin Franklin, quando os<br />

dois estavam na mesma estalagem inglesa – por causa da recente situação<br />

embaraçosa da revolução norte-americana. (Franklin então se prontificou a<br />

fornecer a Gibbon material de pesquisa para quando este passasse, como<br />

Franklin não tinha dúvidas de que ele logo passaria, do declínio e queda do<br />

Império Romano para o declínio e queda do Império britânico. Franklin tinha<br />

razão sobre o Império britânico, mas seu cronograma estava dois séculos<br />

adiantado.)<br />

Essas histórias são por tradição escritas por historiadores<br />

acadêmicos venerados, em geral pilares da ordem vigente. A dissidência local<br />

é sumariamente eliminada. A objetividade é sacrificada em nome de objetivos<br />

mais elevados. Com base nesse fato lamentável, alguns chegaram ao ponto de<br />

concluir que não existe história, que não há possibilidade de reconstruir os<br />

acontecimentos reais; que tudo o que temos são autojustificativas<br />

tendenciosas; e que essa conclusão se estende da história para todo o<br />

conhecimento, inclusive para a ciência.<br />

Entretanto, quem negaria a existência de seqüências verdadeiras de<br />

eventos históricos, com linhas causais reais, mesmo que nossa capacidade de<br />

reconstruí-las em todo o seu entrelaçamento seja limitada, mesmo que o sinal<br />

se perca num oceano de ruído auto-elogioso? O perigo da subjetividade e do<br />

preconceito tem sido perceptível desde o começo da história. Tucídides<br />

alertou contra esse perigo. Cícero escreveu:<br />

A primeira lei é que o historiador jamais deve se atrever a registrar o que é<br />

falso; a segunda, que jamais deve se atrever a ocultar a verdade; a terceira,<br />

que não deve haver suspeitas de favoritismo ou preconceito na sua obra.<br />

Luciano de Samosata, em Como a história deve ser escrita, publicado<br />

no ano 170, insistia: “O historiador deve ser corajoso e incorruptível; um

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