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A interpretação das culturas - Identidades e Culturas

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100 CAPÍTULO CINCO<br />

predicabilidade de comportamento estável e altamente regularizada. "Se você começou a ir para o Norte, vá l<br />

para o Norte", diz um provérbio javanês, "não mude para o Leste, Oeste ou Sul." Tanto a religião como a<br />

ética, tanto o misticismo como a polidez, apontam, portanto, para o mesmo fim: uma tranquilidade despren-1<br />

dida que é uma prova contra qualquer perturbação, tanto interna quanto externa.<br />

No entanto, diferentemente da índia, essa tranquilidade não é alcançada retirando-se do mundo e da l<br />

sociedade, mas deve ser buscada dentro deles. E um misticismo deste mundo, até mesmo prático, conforme<br />

expresso na seguinte citação, uma citação de dois pequenos negociantes javaneses, membros de uma socie-1<br />

dade mística:<br />

Ele disse que a sociedade estava preocupada em ensinar-lhe a não prestar muita atenção às coisas mundanas, a não<br />

olhar muito as coisas da vida cotidiana. Ele disse que isso era muito difícil de conseguir. Sua mulher, disse ele, ainda<br />

não era capaz de consegui-lo e ela concordou com ele, isto é, ela ainda gosta de andar de carro enquanto ele não liga'<br />

mais: tanto faz usá-lo ou não. Mas isso requer muito estudo e meditação. Por exemplo, você tem que chegar ao ponto<br />

em que, se alguém entrar para comprar uma roupa, você não se incomoda se ele compra ou não... e você não deixa<br />

suas emoções se envolverem verdadeiramente nos problemas do comércio, mas pensa apenas em Deus. A sociedade<br />

deseja elevar as pessoas para Deus e evitar quaisquer ligações fortes com a vida cotidiana.<br />

...Por que ele medita? Diz ele que é apenas para pacificar seu coração, para acalmar-se por dentro, para que você<br />

não se aborreça facilmente. Por exemplo, se você está vendendo um pano e está aborrecido, você pode vender um<br />

metro de pano por quarenta rupias quando ele lhe custa sessenta. Se uma pessoa chega aqui e minha mente não está<br />

calma, então eu não lhe posso vender nada... Eu lhe disse, bem, por que você convoca uma reunião, por que não pode<br />

meditar em casa? E ele respondeu, bem, em primeiro lugar você não deve alcançar a paz retirando-se da sociedade;<br />

você deve permanecer na sociedade e misturar-se com as pessoas, apenas com paz no coração.<br />

Essa fusão entre uma visão de mundo místico-fenomenológica e um ethos centrado na etiqueta está expresso<br />

no wajang, de diversas formas. Primeiro, aparece mais diretamente em termos de uma iconografia<br />

explícita. Os cinco Pendawas são interpretados comumente como sendo os cinco sentidos que o indivíduo<br />

deve unir em uma única força psicológica indivisível a fim de alcançar a gnose. A meditação exige uma<br />

"cooperação" entre os sentidos, tão próxima como a que existe entre os irmãos heróis, que atuam como um<br />

só em tudo que fazem. Ou então as sombras dos bonecos são identifica<strong>das</strong> com o comportamento exterior do<br />

homem e os próprios bonecos com o seu ser interior, de forma que nele, como nos bonecos, o padrão visível<br />

da conduta é o resultado direto de uma realidade psicológica subjacente. O próprio desenho dos bonecos tem<br />

uma significação simbólica explícita: no sarong vermelho, branco e preto de Bima, o vermelho habitualmente<br />

indica a coragem, o branco a pureza e o preto a força de vontade. As várias canções toca<strong>das</strong> pela<br />

orquestra gamelan acompanhante simbolizam, cada uma, uma certa emoção; o mesmo ocorre com os poemas<br />

que o dalang declama em várias cenas da peça, e assim por diante. Em segundo lugar, a fusão muitas<br />

vezes aparece como uma parábola, como na estória da busca por Bima de uma "água límpida". Depois de<br />

matar vários monstros, vagando em busca dessa água que lhe disseram poderia torná-lo invulnerável, ele<br />

encontra um deus do tamanho de seu dedo mínimo, o qual é uma réplica exata dele mesmo. Entrando pela<br />

boca dessa imagem de espelho miniaturizada ele vê dentro do corpo do deus o mundo inteiro, completo em<br />

todos os detalhes, e quando sai o deus lhe diz que não existe a tal "água límpida", que a fonte de sua força<br />

está dentro dele mesmo, após o que ele abandona tudo e vai meditar. Em terceiro lugar, o conteúdo moral da<br />

peça é às vezes interpretado por analogia: o controle absoluto do dalang sobre os bonecos é considerado um<br />

paralelo ao de Deus sobre os homens. A alternância de falas educa<strong>das</strong> e guerras violentas é considerada um paralelo<br />

<strong>das</strong> modernas relações internacionais, onde, enquanto os diplomatas continuam a falar, existe a paz,<br />

mas quando cessa a conversa, irrompem as guerras.

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