A interpretação das culturas - Identidades e Culturas
A interpretação das culturas - Identidades e Culturas
A interpretação das culturas - Identidades e Culturas
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
O IMPACTO DO CONCEITO DE CULTURA SOBRE o CONCEITO DE HOMEM 31<br />
na natureza dos sistemas sociais, na natureza biológica e psicológica dos indivíduos componentes, nas situações externas<br />
nas quais eles vivem e atuam, na necessidade de coordenação dos sistemas sociais. Na (cultura)... esses "focf de<br />
estrutura jamais são ignorados. Eles devem, de alguma forma, ser "adaptados a" ou "levados em consideração".<br />
Os universais culturais são concebidos como respostas cristaliza<strong>das</strong> a essas realidades inevitáveis, formas<br />
institucionaliza<strong>das</strong> de chegar a termos com elas.<br />
A análise consiste, portanto, em combinar suportes universais com necessidades subjacentes postula<strong>das</strong>,<br />
tentando mostrar que existe alguma combinação entre as duas. No nível social, é feita referência a tais fatos<br />
irrefutáveis como o de que to<strong>das</strong> as sociedades, a fim de persistirem, têm que reproduzir seus membros ou<br />
alocar bens e serviços, daí resultando a universalidade de alguma forma de família ou alguma forma de<br />
troca. No nível psicológico, recorre-se às necessidades básicas como o crescimento pessoal — daí a ubiquidade<br />
<strong>das</strong> instituições educacionais — ou a problemas pan-humanos, como a situação edipiana — daí a<br />
ubiquidade de deuses primitivos e deusas dadivosas. Biologicamente, há o metabolismo e a saúde; culturalmente,<br />
os hábitos alimentares e os processos de cura. E assim por diante. O método é olhar as exigências<br />
humanas subjacentes, de uma ou outra espécie, e tentar mostrar que esses aspectos da cultura, que são<br />
universais, são, para usar novamente a menção de Kluckhohn, "modelados" por essas exigências.<br />
Novamente o problema aqui não é tanto se, de uma forma geral, essa espécie de congruência existe, mas<br />
se ela é maior do que uma congruência frouxa e indeterminada. Não é difícil relacionar algumas instituições<br />
humanas ao que a ciência (ou o senso comum) nos diz serem exigências para a existência humana, mas é<br />
muito mais difícil afirmar essa relação de forma inequívoca. Qualquer instituição serve não apenas uma<br />
multiplicidade de necessidades sociais, psicológicas e orgânicas (de forma que dizer que o casamento é<br />
mero reflexo da necessidade social de reprodução, ou que os hábitos alimentares são mero reflexo <strong>das</strong><br />
necessidades metabólicas, é fazer uma paródia), mas não há qualquer modo de se afirmar, de forma precisa<br />
e testável, quais as relações interníveis que se supõe manter-se.<br />
A despeito do que possa parecer, não há aqui uma tentativa séria de aplicar os conceitos e teorias da<br />
biologia, da psicologia ou até mesmo da sociologia à análise da cultura (e, certamente, nem mesmo uma<br />
sugestão do inverso), mas apenas a colocação, lado a lado, de fatos supostos dos níveis cultural e subcultural,<br />
de forma a induzir um sentimento vago de que existe uma espécie de relação entre eles — uma obscura<br />
espécie de "modelagem". Não há aqui qualquer integração teórica, mas uma simples correlação, assim<br />
mesmo intuitiva, de achados separados. Com a abordagem de níveis não podemos jamais, mesmo invocando<br />
"pontos invariantes de referência", construir interligações funcionais genuínas entre os fatores cultural e<br />
não-cultural, apenas analogias, paralelismos, sugestões e afinidades mais ou menos persuasivas.<br />
Todavia, mesmo que eu esteja errado (como muitos antropólogos certamente acharão) em alegar que a<br />
abordagem consensus gentium não pode produzir nem universais substanciais nem ligações específicas<br />
entre os fenómenos cultural e não-cultural para explicá-los, permanece a questão de se tais universais devem<br />
ser tomados como elementos centrais na definição do homem, se a perspectiva do mais baixo denominador<br />
comum da humanidade é exatamente o que queremos. Naturalmente, essa é agora uma questão filosófica e<br />
não, como tal, uma questão científica. Todavia, a noção de que a essência do que significa ser humano é<br />
revelada mais claramente nesses aspectos da cultura humana que são universais do que naqueles que são<br />
típicos deste ou daquele povo, é um preconceito que não somos obrigados a compartilhar. Será que é apreendendo<br />
alguns fatos gerais — que o homem tem, em todo lugar, uma espécie de "religião" — ou apreendendo<br />
a riqueza deste ou daquele fenómeno religioso — o transe balinês ou o ritualismo indiano, o sacrifício<br />
humano asteca ou a dança da chuva dos Zuni — que iremos apreendê-lo? O fato de o "casamento" ser<br />
universal (se de fato ele o é) será um comentário tão penetrante sobre o que somos como os fatos relativos à