A interpretação das culturas - Identidades e Culturas
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PESSOA, TEMPO E CONDUTA EM BALI 157<br />
socialmente as personae dramatis permanecem eternamente as mesmas, à medida que novos Wayans e<br />
Ktuts emergem do sempiterno mundo dos deuses (pois também as crianças estão a um passo da divindade)<br />
para substituir aqueles que mais uma vez nele se dissolvem.<br />
TERMOS DE PARENTESCO<br />
Formalmente, a terminologia de parentesco balinesa é muito simples em seu tipo, sendo da variedade tecnicamente<br />
conhecida como "havaiana" ou "geracional". Nesse tipo de sistema, um indivíduo classifica seus<br />
parentes basicamente de acordo com a geração que eles ocupam em relação à sua própria. Isso quer dizer<br />
que os irmãos, os meios irmãos e os primos (e os irmãos de seus esposos, etc.) são agrupados juntos sob o<br />
mesmo termo; todos os tios e tias de ambos os lados são classificados terminologicamente com a mãe e o<br />
pai; todos os filhos dos irmãos, irmãs, primos e assim por diante (isto é, sobrinhos de toda espécie) são<br />
identificados com seus próprios filhos. O mesmo ocorre para baixo, em relação à geração dos netos, bisnetos,<br />
etc., e para cima, em relação à geração dos avós, bisavós, etc. Para cada ator dado, o quadro geral é como<br />
se fosse um bolo em cama<strong>das</strong> de parentes, consistindo cada camada numa geração diferente de parentesco<br />
— a dos pais do ator ou de seus filhos, dos seus avós ou dos seus netos, e assim por diante, ficando a sua<br />
camada, aquela a partir da qual são feitos os cálculos, exatamente no meio no bolo. 11<br />
Dada a existência desse tipo de sistema, o fato mais significativo (e um tanto fora do comum) sobre a<br />
forma como ele funciona em Bali é que os termos que contém praticamente nunca são usados na forma<br />
vocativa, mas apenas como referência, e assim mesmo não com muita frequência. Com raras exceções, não<br />
se chama o pai (ou o tio) de "pai", ou o filho (ou sobrinho/sobrinha) de "filho", ou o irmão (ou primo) de<br />
"irmão", e assim por diante. Não existem sequer formas vocativas para chamar os parentes genealogicamente<br />
mais novos; elas existem para os parentes mais velhos, mas, como no caso dos nomes pessoais, usá-las é<br />
considerado falta de respeito para com os mais velhos. Na verdade, até mesmo as formas referenciais só são<br />
usa<strong>das</strong> quando especificamente necessárias, para transmitir alguma informação sobre o parentesco, quase<br />
nunca como um meio comum de identificar as pessoas.<br />
Os termos de parentesco só aparecem no discurso público em resposta a alguma pergunta, ou para descrever<br />
algum acontecimento que tenha ocorrido ou que se espera que ocorra, e a respeito do qual a existência de<br />
um laço de parentesco pareça ser um dado relevante da informação. ("Você vai à limadura de dentes do Paide-Regreg?"<br />
"Sim, ele é meu 'irmão'. "). Assim sendo, os modos de dirigir-se ou de fazer referência dentro<br />
da família não são mais (ou muito mais) íntimos ou expressivos dos laços de parentesco em qualidade do que<br />
aqueles que existem dentro da povoação em geral. Logo que uma criança cresce suficientemente (seis anos,<br />
digamos, embora isso varie, naturalmente), ela passa a chamar sua mãe e seu pai pelo mesmo termo — um<br />
tecnônimo, um título de grupo de status ou um título público — que qualquer um que os conhece usa em<br />
relação a eles, e a criança é chamada por eles, por sua vez, de Wayan, Ktut, ou o que quer que seja. É quase<br />
certo, também, que a criança se refira a eles, quer eles ouçam ou não, por esse termo popular, extradoméstico.<br />
Em suma, a terminologia de parentesco do sistema balinês define os indivíduos num idioma basicamente<br />
taxonômico, não face a face, como ocupantes de regiões num campo social, e não como sócios numa interação<br />
social. Ela funciona quase que inteiramente como um mapa cultural no qual certas pessoas podem ser<br />
"Na verdade, o sistema balinês (e provavelmente qualquer outro sistema) não é puramente geracional. Todavia, o intuito aqui é<br />
apenas transmitir a forma geral do sistema, não sua estrutura precisa. Para o sistema terminológico completo, cf. H. e C. Geertz,<br />
"Teknonymy in Bali".