A interpretação das culturas - Identidades e Culturas
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CAPÍTULO 2<br />
O IMPACTO DO CONCEITO DE CULTURA<br />
SOBRE o CONCEITO DE HOMEM<br />
Já no final de seu recente estudo sobre as ideias usa<strong>das</strong> pelos povos tribais, O Pensamento Selvagem, o<br />
antropólogo francês Lévi-Strauss observa que a explicação científica não consiste, como fomos levados a<br />
imaginar, na redução do complexo ao simples. Ao contrário, ela consiste, diz ele, na substituição de uma<br />
complexidade menos inteligível por outra mais inteligível. No que concerne ao estudo do homem, pode ir-se<br />
até mais adiante, penso eu, no argumento de que a explicação consiste, muitas vezes, em substituir quadros<br />
simples por outros complexos, enquanto se luta, de alguma forma, para conservar a clareza persuasiva que<br />
acompanha os quadros simples.<br />
Suponho que a elegância permaneça como um ideal científico geral; mas nas ciências sociais muitas<br />
vezes é no afastamento desse ideal que ocorrem desenvolvimentos verdadeiramente criativos. O avanço<br />
científico comumente consiste numa complicação progressiva do que alguma vez pareceu um conjunto de<br />
noções lindamente simples e que agora parece uma noção insuportavelmente simplista. É após ocorrer essa<br />
espécie de desencanto que a inteligibilidade e, dessa forma, o poder explanatório, chega à possibilidade de<br />
substituir o enredado, mas incompreensível, pelo enredado, mas compreensível, ao qual Lévi-Strauss se<br />
refere. Whitehead uma vez ofereceu às ciências naturais a máxima "Procure a simplicidade, mas desconfie<br />
dela"; para as ciências sociais ele poderia ter oferecido "Procure a complexidade e ordene-a".<br />
O estudo da cultura se tem desenvolvido, sem dúvida, como se essa máxima fosse seguida. A ascensão de<br />
uma concepção científica da cultura significava, ou pelo menos estava ligada a, a derrubada da visão da<br />
natureza humana dominante no iluminismo — uma visão que, o que quer que se possa falar contra ou a<br />
favor, era ao mesmo tempo clara e simples — e sua substituição por uma visão não apenas mais complicada,<br />
mas enormemente menos clara. A tentativa de esclarecê-la, de reconstruir um relato inteligente do que é o<br />
homem, tem permeado todo o pensamento científico sobre a cultura desde então. Tendo procurado a complexidade<br />
e a encontrado numa escala muito mais grandiosa do que jamais imaginaram, os antropólogos<br />
embaralharam-se num esforço tortuoso para ordená-la. E o final ainda não está à vista.<br />
A perspectiva iluminista do homem era, naturalmente, a de que ele constituía uma só peça com a natureza<br />
e partilhava da uniformidade geral de composição que a ciência natural havia descoberto sob o incitamento<br />
de Bacon e a orientação de Newton. Resumindo, há uma natureza humana tão regularmente organizada, tão<br />
perfeitamente invariante e tão maravilhosamente simples como o universo de Newton. Algumas de suas leis<br />
talvez sejam diferentes, mas existem leis; parte da sua imutabilidade talvez seja obscurecida pelas armadilhas<br />
da moda local, mas ela é imutável.<br />
Uma citação que faz Lovejoy (cuja análise magistral estou seguindo aqui) transcrevendo um historiador<br />
iluminista, Mascou, apresenta a posição com a rudeza útil que muitas vezes se encontra num autor menor: