A interpretação das culturas - Identidades e Culturas
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38 CAPÍTULO Dois<br />
grande parte da ciência social contemporânea, mas sim pelo elo entre eles, pela forma em que o primein<br />
transformado no segundo, suas potencialidades genéricas focaliza<strong>das</strong> em suas atuações específicas. É<br />
carreira do homem, em seu curso característico, que podemos discernir, embora difusamente, sua nature<br />
e apesar de a cultura ser apenas um elemento na determinação desse curso, ela não é o menos importar<br />
Assim como a cultura nos modelou como espécie única — e sem dúvida ainda nos está modelando — ass<br />
também ela nos modela como indivíduos separados. É isso o que temos realmente em comum — nem i<br />
ser subcultural imutável, nem um consenso de cruzamento cultural estabelecido.<br />
Por estranho que pareça — embora, num segundo momento não seja talvez tão estranho — muitos c<br />
nossos sujeitos parecem compreender isso mais claramente que nós mesmos, os antropólogos. Em Java, \<br />
exemplo, onde executei grande parte do meu trabalho, as pessoas diziam com muita tranquilidade: "í<br />
humano é ser javanês." Às crianças pequenas, aos rústicos, aos simplórios, aos loucos, aos flagrantemei<br />
imorais, chamam ndurung djawa, "ainda não javaneses". Um adulto "normal", capaz de agir em termos<br />
sistema de etiqueta altamente elaborado, possuidor <strong>das</strong> delica<strong>das</strong> percepções estéticas associa<strong>das</strong> à músi<br />
à dança, ao drama e ao desenho têxtil, que responde às sutis incitações do divino que reside na estabilidz<br />
da consciência de cada indivíduo, é um sampum djawa, "já um javanês", isto é, já um humano. Ser huma<br />
não é apenas respirar; é controlar a sua respiração pelas técnicas do ioga, de forma a ouvir literalmente,<br />
inspiração e na expiração, a voz de Deus pronunciar o seu próprio nome — "hu Allah". Não é apenas falai<br />
emitir as palavras e frases apropria<strong>das</strong>, nas situações sociais apropria<strong>das</strong>, no tom de voz apropriado e cor<br />
indireção evasiva apropriada. Não é apenas comer: é preferir certos alimentos, cozidos de certas maneiras<br />
seguir uma etiqueta rígida à mesa ao consumi-los. Não é apenas sentir, mas sentir certas emoções muito dist<br />
lamente javanesas (e certamente intraduzíveis) — "paciência", "desprendimento", "resignação", "respeito'<br />
Aqui, ser humano certamente não é ser Qualquer Homem; é ser uma espécie particular de homem, e s<<br />
dúvida os homens diferem: "Outros campos", dizem os javaneses, "outros gafanhotos". Dentro da sociedc<br />
as diferenças também são reconheci<strong>das</strong> — a fornia como um camponês de arroz se torna humano e javai<br />
difere da forma através da qual um funcionário civil se torna humano. Este não é um caso de tolerânci<br />
relativismo ético, pois nem todos os modos de se tornar humano são vistos como igualmente admiráveis<br />
forma como isso ocorre para os chineses locais, por exemplo, é intensamente desaprovada. O caso é que<br />
maneiras diferentes e, mudando agora para a perspectiva antropológica, é na revisão e na análise sistemát<br />
dessas maneiras — a bravura do índio <strong>das</strong> planícies, a obsessão do hindu, o racionalismo do francês<br />
anarquismo berbere, o otimismo americano (para arrolar uma série de etiquetas que eu não gostaria<br />
defender como tais) — que poderemos encontrar o que é ser um homem ou o que ele pode ser.<br />
Resumindo, temos que descer aos detalhes, além <strong>das</strong> etiquetas enganadoras, além dos tipos metafísic<br />
além <strong>das</strong> similaridades vazias, para apreender corretamente o caráter essencial não apenas <strong>das</strong> várias cultui<br />
mas também dos vários tipos de indivíduos dentro de cada cultura, se é que desejamos encontrar a humanidí<br />
face a face. Nessa área, o caminho para o geral, para as simplicidades reveladoras da ciência, segue através<br />
uma preocupação com o particular, o circunstancial, o concreto, mas uma preocupação organizada e dirig<br />
em termos da espécie de análises teóricas sobre as quais toquei — as análises da evolução física, do funcioi<br />
mento do sistema nervoso, da organização social, do processo psicológico, da padronização cultural e ass<br />
por diante — e, muito especialmente, em termos da influência mútua entre eles. Isso quer dizer que o camir<br />
segue através de uma complexidade terrificante, como qualquer expedição genuína.<br />
"Deixe-o sozinho por um momento ou dois", escreve Robert Lowell, não, como se pode suspeitai<br />
respeito do antropólogo, mas a respeito daquele outro pesquisador excêntrico da natureza do homem, Nathar<br />
Hawthorne.