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A interpretação das culturas - Identidades e Culturas

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118 CAPÍTULO SEIS<br />

Não é, portanto, de surpreender que eles fujam ao problema de construir o significado <strong>das</strong> afirmações ideológicas<br />

simplesmente deixando de reconhecê-lo como um problema. 22<br />

Para tornar mais explícito o que quero dizer, deixem-me dar um exemplo que, sendo extremamente trivial<br />

em si mesmo, acalmará simultaneamente tanto as suspeitas de que tenho uma preocupação oculta com a<br />

substância do tema político envolvido como, o que é mais importante, comprovará o fato de que os conceitos<br />

desenvolvidos para a análise dos aspectos mais elevados da cultura — a poesia, por exemplo — também são<br />

aplicáveis aos aspectos inferiores, sem com isso deturpar as enormes distinções qualitativas existentes entre<br />

os dois. Ao discutirem as inadequações cognitivas através <strong>das</strong> quais a ideologia é definida para eles, Sutton<br />

et ai. usam como exemplo da tendência do ideólogo a "supersimplificar" a denominação dada ao Taft-<br />

Hartley Act de "lei do trabalho escravo":<br />

A ideologia procura ser simples e clara mesmo onde essa simplicidade e clareza fazem pouca justiça ao assunto em<br />

questão. O quadro ideológico utiliza linhas fortes e põe em contraste o preto e o branco. O ideólogo exagera i<br />

caricatura, à maneira de um "cartunista", e, em contraste, a descrição científica dos fenómenos sociais parece ser vaga<br />

e indistinta. Na recente ideologia do trabalho, o Taft-Hartley Act foi um "ato do trabalho escravo". Nenhum exame<br />

desapaixonado lhe daria esse rótulo. Qualquer avaliação dessa lei feita com isenção teria que levar em consideração<br />

suas muitas provisões individuais. Tal avaliação resultaria num veredicto ambivalente, desde que fosse sobre o conjunto<br />

dos valores, mesmo os dos próprios sindicatos. Todavia, os veredictos ambivalentes não fazem parte da ideologia:<br />

eles são muito complicados, muito vagos. A ideologia tem que caracterizar a lei como um todo, como símbolo<br />

para a ação dos trabalhadores arregimentados, dos eleitores e dos legisladores. 23<br />

Deixando de lado a questão meramente empírica se é ou não verdade que as formulações ideológicas de<br />

um dado conjunto de fenómenos sociais são inevitavelmente "mais simples" do que as formulações científicas<br />

dos mesmos fenómenos, surge nesse argumento uma perspectiva curiosamente depreciativa — pode-se<br />

até dizer "supersimplificada" — dos processos de pensamento dos líderes sindicais, de um lado, e dos<br />

"trabalhadores, eleitores e legisladores", de outro. É difícil crer que tanto os que cunharam e disseminaram<br />

esse slogan acreditavam ou esperavam que outros acreditassem que a lei na verdade reduziria (ou pretendia<br />

reduzir) o trabalhador norte-americano à categoria de escravo como que o segmento do público para o qual<br />

o slogan tinha um significado o compreendesse nesses termos. E no entanto é precisamente essa visão<br />

nivelada da mentalidade dos outros povos que deixa aos sociólogos apenas duas interpretações, ambas<br />

insatisfatórias, da possível eficiência de um símbolo; ou ele engana os não-informados (de acordo com a<br />

teoria do interesse) ou ele excita os que não refletem (segundo a teoria da tensão). Não se leva em conta<br />

sequer o fato de que pode adquirir seu poder através da capacidade de apreender, formular e comunicar<br />

realidades sociais que se esquivam à linguagem temperada da ciência, que ela pode mediar significados<br />

mais complexos do que sugere a leitura literal. A "lei do trabalho escravo" pode ser, afinal de contas, não um<br />

rótulo, mas uma metáfora.<br />

De forma mais exata, parece ser uma metáfora, ou pelo menos uma tentativa de metáfora. Embora muito<br />

poucos cientistas sociais pareçam ter lido alguma coisa a respeito, a literatura sobre metáforas — "o poder<br />

22 Uma exceção parcial a essa censura, embora prejudicada por sua obsessão com o poder como soma e substância da política, é<br />

"Style in the Language of Politics", de Lasswell, in Lasswell et ai., Language ofPolitics, pp. 20-39. Deve-se observar também que<br />

a ênfase no simbolismo verbal da discussão seguinte é apenas para salvaguardar a simplicidade, e não para negar a importância de<br />

outros artifícios não-lingiiísticos, como os da plástica, os teatrais — a retórica dos uniformes, dos palcos iluminados e <strong>das</strong> ban<strong>das</strong><br />

em desfile — no pensamento ideológico.<br />

23 Sutton et ai, American Business Creed, pp. 4-5.

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