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A interpretação das culturas - Identidades e Culturas

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...as disposições e motivações parecem singularmente realistas<br />

A RELIGIÃO COMO SISTEMA CULTURAL 87<br />

Ninguém, nem mesmo um santo, vive todo o tempo no mundo que os símbolos religiosos formulam, e a<br />

Jnaioria dos homens só vive nele alguns momentos. O mundo cotidiano de objetos de senso comum e de atos<br />

práticos, como diz Schutz, é que constitui a realidade capital da experiência humana — capital no sentido de<br />

;reste o mundo no qual estamos solidamente enraizados, cuja inerente realidade pouco podemos questioinar<br />

(por mais que possamos questionar certas porções dela) e de cujas pressões e exigências raramente<br />

demos escapar. 45 Um homem, até mesmo grandes grupos de homens, pode ser esteticamente insensível,<br />

ao preocupado religiosamente e não equipado para perseguir a análise científica formal, mas não pode ter<br />

ia falta total de senso comum, e assim mesmo sobreviver. As disposições que os rituais religiosos induzem<br />

, assim, seu impacto mais importante — do ponto de vista humano — fora dos limites do próprio ritual,<br />

ia medida em que refletem de volta, colorindo, a concepção individual do mundo estabelecido como fato<br />

. O tom peculiar que marca a procura de visão dos índios <strong>das</strong> planícies, a confissão dos Manus, ou o<br />

sercício místico javanês permeiam áreas da vida desses povos muito além do imediatamente religioso,<br />

imprimindo-lhes um estilo distintivo, no sentido tanto de uma disposição dominante como de um movimencaracterístico.<br />

O entrelaçamento do maligno e do cómico, que o combate Rangda-Barong retrata, anima<br />

grande área do comportamento balinês cotidiano, grande parte do qual tem, como o próprio ritual, um<br />

kr de medo cândido estreitamente contido por uma brincadeira obsessiva. A religião é sociologicamente<br />

interessante não porque, como o positivismo vulgar o colocaria, ela descreve a ordem social (e se o faz é de<br />

lorma não só muito oblíqua, mas também muito incompleta), mas porque ela — a religião — a modela, tal<br />

;omo o fazem o ambiente, o poder político, a riqueza, a obrigação jurídica, a afeição pessoal e um sentido de<br />

èza.<br />

O movimento de ida e volta entre a perspectiva religiosa e a perspectiva do senso comum é uma <strong>das</strong><br />

irrências empíricas mais óbvias da cena social, embora seja também uma <strong>das</strong> mais negligencia<strong>das</strong> pelos<br />

tropólogos sociais; virtualmente todos a presenciaram acontecer inúmeras vezes. A crença religiosa tem<br />

lido apresentada, habitualmente, como uma característica homogénea de um indivíduo, como seu local de<br />

ádência, seu papel ocupacional, sua posição de parentesco, e assim por diante. Mas a crença religiosa no<br />

jmeio do ritual, quando ela engolfa a pessoa em sua totalidade, transportando-a, no que lhe concerne, para<br />

lutro modo de existência, e a crença religiosa como um pálido e relembrado reflexo dessa experiência na<br />

Mdacotidiana não são precisamente a mesma coisa, e a falha na compreensão disso levou a alguma confu-<br />

|são, principalmente em relação ao problema da chamada mentalidade primitiva. Como exemplo, grande<br />

iarte <strong>das</strong> dificuldades entre Lévy-Bruhl e Malinowski sobre a natureza do "pensamento nativo" surge da<br />

|alta de reconhecimento total dessa distinção. Enquanto o filósofo francês se preocupava com a visão da<br />

idade que os selvagens adotavam quando assumiam uma perspectiva especificamente religiosa, o etnógrafo<br />

ilonês-inglês preocupava-se com a que eles adotavam quando assumiam uma perspectiva estritamente de<br />

pso comum. 46 Talvez ambos sentissem, vagamente, que não estavam falando exatamente sobre a mesma<br />

[coisa, mas onde eles se perderam realmente foi ao falharem em dar conta da forma como interagiam essas<br />

íduas formas de "pensamento" — ou, como eu diria, esses dois modos de formulações simbólicas. Assim,<br />

[enquanto os selvagens de Lévy-Bruhl tendiam a viver, não obstante seus detratares pós-ludios, num mundo<br />

mposto inteiramente de embates místicos, os de Malinowski tendiam a viver, a despeito da ênfase por ele<br />

itribuída à importância funcional da religião, num mundo composto inteiramente de ações práticas. Eles se<br />

fSchutz, The Problem of Social Reality, pp. 226 ss.<br />

pMalinowski, Magic, Science and Religion; L. Lévy-Bruhl, How Natives Think (Nova York, 1926).

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