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A interpretação das culturas - Identidades e Culturas

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168 CAPÍTULO OITO<br />

tocante a esses assuntos, guarda-se a mesma circunspecção e decoro que se guarda em relação aos mais<br />

velhos e superiores em geral, em vista desses assuntos. 25<br />

Em suma, o mundo dos deuses é outro domínio público, que transcente todos os outros e está imbuído de<br />

uni ethos que todos os outros procuram incorporar, na medida em que o podem fazer. As preocupações desse<br />

reino repousam no nível cósmico ao invés do público, do económico ou do cerimonial (isto é, do humano) e<br />

seus intendentes são homens sem feições, indivíduos a respeito dos quais os índices comuns da humanidade<br />

mortal não têm qualquer significação. Esses ícones praticamente sem rosto, perfeitamente convencionais,<br />

imutáveis, através dos quais são representados deuses sem nome, conhecidos apenas por seus títulos públicos,<br />

ano após ano, nos milhares de festivais dos templos em toda a ilha, englobam a expressão mais pura do<br />

conceito balinês da condição de pessoa. Ajoelhando-se perante eles (ou, mais precisamente, diante dos<br />

deuses neles residentes no momento), os balineses não estão apenas reconhecendo o poder divino. Também<br />

se estão confrontando com a imagem do que imaginam ser, no fundo; uma imagem que os concomitantes<br />

biológico, psicológico e sociológico de estar vivo, as meras materialidades do tempo histórico, só tendem a<br />

obscurecer.<br />

Um Triângulo Cultural de Forças<br />

Há muitas formas através <strong>das</strong> quais os homens são conscientizados, ou talvez se conscientizem, da passagem<br />

do tempo — marcando a mudança <strong>das</strong> estações, as alterações da Lua ou o progresso na vida de uma<br />

planta; pelo ciclo medido dos ritos, do trabalho agrícola, <strong>das</strong> atividades domésticas: pela preparação e programação<br />

de projetos e pela lembrança e avaliação dos projetos executados; pela preservação de genealogias,<br />

o recital de len<strong>das</strong> ou o enquadramento de profecias. Entre as mais importantes, porém, está certamente o<br />

reconhecimento, em si mesmo e em seus companheiros, do processo de envelhecimento biológico, o surgimento,<br />

a maturidade, a decadência e o desaparecimento dos indivíduos concretos. A maneira como se vê<br />

esse processo afeta, portanto, e profundamente, a maneira como se vê o tempo. Entre a concepção de um<br />

povo do que é ser uma pessoa e sua concepção da estrutura da história existe um elo interno inquebrantável.<br />

Ora, como venho enfatizando, o elemento mais marcante a respeito dos padrões culturais nos quais estão<br />

incorpora<strong>das</strong> as noções balinesas de identidade pessoal é o grau no qual eles retratam virtualmente cada um<br />

— amigos, parentes, vizinhos e estranhos; anciões e jovens; superiores e inferiores; homens e mulheres;<br />

chefes, reis, sacerdotes, e deuses; até mesmo os mortos e os não-nascidos — como contemporâneos estereotipados,<br />

companheiros abstratos e anónimos. Cada uma <strong>das</strong> ordens simbólicas da definição-pessoa, desde<br />

os nomes ocultos até os títulos ostentados, age de forma a enfatizar e fortalecer a padronização, a idealização<br />

e a generalização implícitas na relação entre os indivíduos cuja ligação principal consiste no acidente de<br />

"Existem textos tradicionais, alguns deles muito extensos, contando algumas atividades dos deuses, e são bastante conhecidos<br />

fragmentos dessas estórias. Todavia, não só esses mitos refletem a perspectiva tipológica da condição de pessoa, a visão estática<br />

do tempo e o estilo cerimonioso da interação que eu estou procurando caracterizar, como também a hesitação geral em discutir ou<br />

pensar sobre o divino significa que as estórias que eles relatam penetram muito superficialmente nas tentativas balinesas de<br />

compreender e se adaptar "ao mundo". A diferença entre os gregos e os balineses reside não tanto na espécie de vida que seus<br />

deuses levam, escandalosa em ambos os casos, como na atitude deles em relação a essas vi<strong>das</strong>. Para os gregos, os atos privados de<br />

Zeus e seus associados eram concebidos como iluminando os feitos demasiado similares dos homens, e os boatos sobre eles<br />

tinham apenas uma ressonância filosófica. Para os balineses, as vi<strong>das</strong> priva<strong>das</strong> de Betara Guru e seus associados são apenas isso<br />

— vi<strong>das</strong> priva<strong>das</strong> — e lançar boatos a respeito não é agir com decência — é até impertinente, dado seu lugar na hierarquia de<br />

prestígio.

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