A interpretação das culturas - Identidades e Culturas
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58 CAPÍTULO TRÊS<br />
em a capacidade de aprender. Mas é de uma importância teórica fundamental enfatizar o quanto e quantas<br />
coisas o homem ainda tem que aprender. Já se demonstrou, muitas vezes, que o homem, sendo, como é,<br />
"fetalizado", "domesticado" e geralmente irresoluto, seria um animal fisicamente inviável se independente<br />
da cultura. 62 Menos observado é o fato de que ele seria também mentalmente inviável. 63<br />
Tudo isso se aplica também tanto ao lado afetivo do pensamento humano quanto ao lado intelectual<br />
Numa série de livros e papers, Hebb desenvolveu a fascinante teoria de que o sistema nervoso humano (e o<br />
dos animais inferiores, numa extensão correspondentemente menor) exige uma corrente contínua de estímulos<br />
ambientais existentes, num grau ótimo, como precondição para uma atuação competente. 64 De um lado,<br />
o cérebro do homem não é "como uma máquina de calcular funcionando através de um motor elétrico, que<br />
pode permanecer parada, sem entra<strong>das</strong> (inputs), por períodos indefinidos; para funcionar efetivamente ele<br />
precisa ser aquecido e mantido em funcionamento através de inputs constantemente variados, pelo menos<br />
durante o período em que está desperto". 65 De outro lado, dada a tremenda susceptibilidade emocional<br />
intrínseca do homem, tal input não pode ser demasiado intenso, demasiado perturbador, se não ocorre um<br />
colapso emocional e o colapso completo do processo de pensamento. Tanto o tédio como a histeria são<br />
inimigos da razão. 66<br />
Assim, como o homem é "o animal mais emocioal além de ser o mais racional", é necessário um controle<br />
cultural muito cuidadoso dos estímulos de medo, raiva, sugestões, etc. — através de tabus, da homogeneização<br />
do comportamento, da rápida "racionalização" de estímulos estranhos em termos de conceitos familiares<br />
etc. — para impedir uma instabilidade afetiva continuada, uma oscilação constante entre os extremos da<br />
paixão. 67 Todavia, como o homem não pode atuar eficientemente na ausência de um grau bastante elevado<br />
de ativação emocional razoavelmente persistente, são igualmente essenciais mecanismos culturais que asse<br />
gurem a pronta disponibilidade de tipos constantemente variados de experiências sensoriais que possam<br />
sustentar tais atividades. As regulamentações institucionaliza<strong>das</strong> contra a exposição de cadáveres fora de<br />
contextos bem definidos (funerais, etc.) protegem um animal peculiarmente vulnerável contra o medo da<br />
morte e da destruição corporal; assistir ou participar de corri<strong>das</strong> automobilísticas (nem to<strong>das</strong> realiza<strong>das</strong> em<br />
autódromos) estimula deliciosamente esses mesmos medos. Lutas de campeonato acendem sentimentos<br />
hostis, porém uma afabilidade interpessoal firmemente institucionalizada os modera. Os impulsos eróticos<br />
são estimulados por uma série de artifícios tortuosos para os quais não há limites, evidentemente; mas eles<br />
são impedidos de proliferar através de uma insistência na execução privada <strong>das</strong> atividades explicitamente<br />
sexuais.<br />
Ao contrário dos que sugerem esses exemplos um tanto simplistas, porém, a realização de uma vida<br />
emocional funcional, bem ordenada, claramente articulada, no homem não é um caso simples de controle<br />
62<br />
Como exemplo, W. LaBarre, The Human Animal (Chicago, 1954).<br />
63<br />
Cf. J. Dewey, "The Need for a Social Psychology", Psychol. Rev., 24 (1917): 266-277; A. I. Hallowell, "Culture, Personality and<br />
Society".<br />
^D. O. Hebb, "Emotion in Man and Animal: An Analysis of the Intuitive Process of Recognition", Psychol. Rev., 53 (1946): 88<br />
106; D. O. Hebb, The Organization of Behavior (Nova York, 1949); D. O. Hebb, "Problem of Consciousness and Introspection";<br />
D. O. Hebb e W. R. Thompson, "Social Significance of Animal Studies".<br />
65<br />
D. O. Hebb, "Problem of Consciousness and Introspection".<br />
66<br />
P. Solomon et ai., "Sensory Deprivation: A Review", American Journal of Psychiatry, 114 (1957): 357-363; L. F. Chapman,<br />
"Highest Integrative Functions of Man During Stress", in The Brain and Human Behavior, org. por H. Solomon (Baltimore,<br />
1958), pp. 491-534.<br />
67<br />
D. O. Hebb e W. R. Thompson, "Social Significance of Animal Studies".