A interpretação das culturas - Identidades e Culturas
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60 CAPÍTULO TRÊS<br />
como nos sentimos a respeito <strong>das</strong> coisas; para saber como nos sentimos a respeito <strong>das</strong> coisas precisamos de<br />
imagens públicas de sentimentos que apenas o ritual, o mito e a arte podem fornecer.<br />
IV<br />
O termo "mente" refere-se a certo conjunto de disposições de um organismo. A capacidade de contar é uma<br />
característica mental; também o é a jovialidade crónica, assim como a cobiça — embora ainda não tenha<br />
sido possível discutir o problema da motivação quanto a ela. O problema da evolução da mente, portanto,<br />
não é um falso tema gerado por uma metafísica mal conceituada, nem o caso de descobrir em que ponto da<br />
história da vida uma anima invisível foi sobreposta ao material orgânico. Trata-se de reconstituir o desenvolvimento<br />
de certas espécies de habilidades, capacidades, tendências e propensões nos organismos e delinear<br />
os fatores ou tipos de fatores dos quais depende a existência de tais características.<br />
As pesquisas recentes da antropologia indicam como incorreta a perspectiva em vigor de que as disposições<br />
mentais do homem são geneticamente anteriores à cultura e que suas capacidades reais representam a<br />
amplificação ou extensão dessas disposições preexistentes através de meios culturais. 72 O fato aparente de<br />
que os estágios finais da evolução biológica do homem ocorreram após os estágios iniciais do crescimento<br />
da cultura implica que a natureza humana "básica", "pura" ou "não-condicionada", no sentido da constituição<br />
inata do homem, é tão funcionalmente incompleta a ponto de não poder ser trabalhada. As ferramentas,<br />
a caça, a organização familiar e, mais tarde, a arte, a religião e a "ciência" moldaram o homem somaticamente.<br />
Elas são, portanto, necessárias não apenas à sua sobrevivência, mas à sua própria realização existencial.<br />
A aplicação dessa revisão da perspectiva da evolução humana conduz à hipótese de que os recursos<br />
culturais são ingredientes, e não acessórios, do pensamento humano. À medida que se vai, filogeneticamente,<br />
dos animais inferiores para os superiores, o comportamento é caracterizado pela crescente imprevisibilidade<br />
ativa no que se refere aos estímulos correntes, uma tendência aparentemente apoiada fisiologicamente por<br />
uma crescente complexidade e predominância dos padrões centrais de conduta da atividade nervosa. Esse<br />
crescimento <strong>das</strong> áreas centrais autónomas pode ser levado em consideração, pelo menos em sua maior parte<br />
e até o nível dos mamíferos inferiores, em termos do desenvolvimento de novos mecanismos neurais. Nos<br />
mamíferos superiores, porém, tais novos mecanismos ainda não foram encontrados. Embora se possa conceber<br />
que o simples aumento no número de neurônios pode, por si mesmo, responder plenamente pelo<br />
florescimento da capacidade mental do homem, o fato de o cérebro humano maior e a cultura humana<br />
emergirem sincronicamente, e não serialmente, indica que os desenvolvimentos mais recentes na evolução<br />
da estrutura nervosa consistem no aparecimento de mecanismos que tanto permitem a manutenção de áreas<br />
72 A decisão de até que ponto estender, na escala filogenética, a utilização de termos tão variavelmente empregados como "mente"<br />
e "cultura" — isto é, quão amplamente podemos defini-los — é, em geral, um caso de costume, política ou gosto. Aqui, talvez<br />
com alguma inconsistência, mas em conformidade com o que parece ser o uso comum, foram feitas escolhas opostas para mente<br />
e cultura: a mente foi definida em termos amplos para incluir as capacidades aprendi<strong>das</strong> do macaco de se comunicar e do rato de<br />
resolver experiências de labirintos. A cultura foi definida mais estreitamente, incluindo apenas padrões simbólicos posteriores à<br />
confecção de ferramentas. Para um argumento de que a cultura deveria ser definida como "um padrão aprendido do significado de<br />
sinais e senhas" e ampliada para todo o mundo de organismos vivos, cf. T. Parsons, "An Approach to Psychological Theory in<br />
Terms of the Theory of Action", in Psychology: A Study ofa Science, org. por S. Koch (Nova York, 1959), 3: 612-711.