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A interpretação das culturas - Identidades e Culturas

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A POLÍTICA DO SIGNIFICADO 143<br />

{pois não se pode olhar o abismo impunemente, da mesma forma que não se pode fitar o Sol. Entretanto, deve<br />

f haver muito poucos indonésios que não saibam agora que, embora encoberto, o abismo está lá, e eles se<br />

[arrastam ao longo de suas margens, uma mudança de consciência que pode acabar sendo o passo mais<br />

importante que já deram na direção de uma mentalidade moderna.<br />

•<br />

l O que quer que os cientistas sociais possam desejar, existem alguns fenómenos sociais cujo impacto é<br />

j imediato e profundo, até mesmo decisivo, mas cuja significação não pode ser avaliada efetivamente até bem<br />

j depois de sua ocorrência, e um deles é, sem dúvida, a erupção de uma grande violência doméstica. O Tercei-<br />

! ro Mundo já presenciou uma série dessas eurpções durante os vinte e cinco anos em que praticamente<br />

[ iniciou sua existência — a partilha da índia, o motim do Congo, Biafra, Jordânia. Nenhuma delas, porém,<br />

j foi mais esmagadora do que a que ocorreu na Indonésia, nem mais difícil de avaliar. Desde os terríveis<br />

! últimos meses de 1965, todos os estudiosos da Indonésia, especialmente os que tentavam penetrar no caráter<br />

dopais, têm estado na situação pouco confortável de saber que um tremendo trauma interno abalou seu tema<br />

de estudo, mas sem saber, a não ser vagamente, quais foram os seus efeitos. A sensação de que aconteceu<br />

\ algo para o qual ninguém estava preparado, e sobre o qual ninguém sabe ainda o que dizer, persegue os<br />

ensaios [no volume de Holt], dando aos leitores a impressão do agon de uma peça na qual a crise foi deixada<br />

de fora. Mas nada há a fazer nesse sentido: a crise ainda perdura. 11<br />

Alguns efeitos externos são, sem dúvida, bastante claros. O Partido Comunista Indonésio, o terceiro<br />

maior do mundo, conforme suas próprias alegações, foi basicamente destruído, pelo menos no momento.<br />

Existe uma dominação militar. Sukarno foi inicialmente imobilizado e em seguida, com aquela graça controlada,<br />

implacável, que os javaneses chamam halus, deposto, morrendo logo após. Acabou a "confrontação"<br />

com a Federação Malaia. A situação económica melhorou consideravelmente, a segurança interna, à<br />

custa de prisões políticas em massa, alcançou virtualmente todo o país pela primeira vez após a Independência.<br />

O desespero ostentado daquilo que é hoje chamada a "Antiga Ordem" foi substituído pelo desespero<br />

mudo da "Nova Ordem". Mas a questão "O que mudou?", no que se refere à cultura, ainda é inquietante.<br />

Uma catástrofe tão grande, e que aconteceu principalmente nas aldeias, entre os aldeões, dificilmente terá<br />

deixado de afetar o país, entretanto é impossível calcular até que ponto e quão permanentemente o terá<br />

afetado. Na Indonésia, as emoções vêm à superfície de forma extremamente gradual, embora poderosa: "O<br />

crocodilo afunda com ligeireza", dizem eles, "mas sobe à superfície lentamente." Tanto o que se escreve<br />

sobre a política indonésia como essa mesma política estão agora impregnados de uma desconfiança que se<br />

origina na espera de que o crocodilo volte à superfície.<br />

"O fato de ninguém ter previsto os massacres é às vezes apresentado como exemplo da futilidade da ciência social. Muitos<br />

estudos enfatizaram as enormes tensões e o potencial de violência da sociedade indonésia. Aliás, quem quer que anunciasse<br />

antecipadamente o fato de que cerca de um quarto de milhão de pessoas seriam massacra<strong>das</strong> em três meses de carnificina nos<br />

campos de arroz teria sido olhado, muito justamente, como uma pessoa de mente muito distorcida. O que isso deixa entrever em<br />

termos de oposição entre razão e não-razão é um assunto muito complicado, porém o que não é dito é que a razão é impotente<br />

porque não é clarividente.

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