A Vida e a Arte de António Ramos de Almeida 8 A Vida e a Arte de António Ramos de Almeida António Pedro Pita
A Vida e a Arte de António Ramos de Almeida | António Pedro Pita A Vida e a Arte de António Ramos de Almeida António pedro pita 1 António Ramos de Almeida não chegou a publicar o livro anunciado em 1947, com o título A marcha para o Neo-Realismo, por ele próprio caraterizado como uma espécie de prólogo à história do movimento: simultaneamente roteiro (do caminho “que nós fomos obrigados a trilhar”) e explicitação (de que “o neo-realismo foi muito antes da verdadeira consciência que nós tivemos dele, uma aspiração profunda e uma necessidade imperiosa daqueles que começaram” 2 ). No mesmo depoimento, faz uma revelação: “tenho três discursos pronunciados em 1934 e 1935 – em Coimbra – que provam essa primeira etape, ainda vaga e nebulosa, ainda anterior, até, à polémica Arte Pura – Arte Social” 3 . O depoimento não se alarga em pormenores. Esta última observação é, contudo, suficiente para fortalecer a hipótese de todos aqueles que insistem na necessidade de situar ainda na primeira metade dos anos trinta as condições de génese histórico-cultural do que ganhará, a partir de 1938, o nome de “neorrealismo”. Infelizmente, esses discursos ainda não foram encontrados. No entanto, o artigo estampado em Manifesto, nº 2 (Fevereiro. 1936) já é esclarecedor. A revista Manifesto, recordemo-lo, é um dos lugares de dissolução da rápida (e porventura nunca completamente estabelecida) hegemonia literária presencista. Miguel Torga e Albano Nogueira inscrevem a consciência literária em linhas de força cuja nitidez de demarcação do universo presencista assenta numa discreta (mas real) permeabilidade às preocupações dos movimentos de artistas e intelectuais que marcaram sobretudo a Europa. Manifesto não é, como presença também não fora, uma revista situada nos limites da imprensa estudantil. Corresponde a uma posição intelectual (e não exclusiva ou predominantemente literária ou artística), sustentada na colaboração diversificada de nomes como Paulo Quintela, Bento de Jesus Caraça, Fernando Lopes-Graça ou Sílvio Lima 4 , sem esquecer a transcrição de um discurso de André Malraux sobre “A obra de arte”, pronunciado no Congresso Internacional dos Escritores para a Defesa da Cultura, realizado em 1935. O tema de “depoimento” de António Ramos de Almeida – “Novos e velhos” 5 – traz à cena argumentativa um tópico que se tornará cada vez mais comum na retórica emergente. “Novo” significa consciente do “nosso momento histórico”, o momento 9 1 Professor catedrático da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Coordenador científico do CEIS20 – Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX. 2 Vértice, vol. IV (1947), p. 470-1. 3 É possível que uma obra de “crítica e polémica” intitulada Falando ao Povo sobre a Arte, reunião de “conferências e discursos”, anunciada como “A publicar” em A arte e a vida, previsse reeditar estas conferências. Mas nunca foi publicada. 4 “A revista nasceu de um grupo que já tem maioridade intelectual: Dr. Paulo Quintela, Carlos Sinde [Alberto Martins de Carvalho], Lopes Graça, António Madeira [Branquinho da Fonseca], João Farinha, etc.”, terá oportunidade de escrever António Ramos de Almeida, num outro texto. O sublinhado é meu. 5 António Ramos de Almeida, “Um depoimento – Novos e velhos” in Manifesto, nº 2, fevereiro. 1936.