A VIDA E A ARTE DE ANTÃNIO RAMOS DE ALMEID A - Câmara ...
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António Ramos de Almeida e a Livraria Latina Editora: contextos e dinâmicas | maria do rosário ramada pinho barbosa<br />
libertação económica – a crítica subtil da obra de Eça de Queiroz e mais tôdas as<br />
outras profundas virtualidades humanas e estéticas que nela residem.»<br />
Fala-nos, com honestidade, da posição de Eça perante a realidade imediata, em<br />
ensaios que parecem anular-se e que docemente, afinal, os dois Eças que é necessário<br />
distinguir: um que esteve sempre à margem de qualquer acção e, outro que descreveu<br />
e criticou a sociedade do seu tempo.<br />
Diz-nos do poder corrosivo da obra eciana, da sua observação perspicaz da<br />
«decadência das classes dirigentes, nas suas ideias informadoras e nas suas tradições<br />
decrépitas, no ridículo das suas velharias e na pomposa fraseologia das mistificações,<br />
que ainda hoje perduram.» E mostra-nos como «ninguém, entre nós apontou com<br />
mais verdade os vícios, os ridículos, as falsidades daqueles que por diferentes caminhos<br />
atingiram os lugares de comando e de domínio».<br />
Ramos de Almeida abre os olhos a muita gente atacando com decisão um<br />
dos pontos de mais polémica: que foi Eça politicamente? Todos o têm pretendido<br />
levar para o seu grupinho. «Eça de Queiroz tem sido rotulado de tudo: democrata,<br />
socialista, bolchevista, anarquista e nacionalista, apesar de ser quási sempre apodado<br />
de desnacionalizante e extrangeirado.» Mas «Eça não desfralda qualquer bandeira,<br />
antes pelo contrário, coloca diante de si uma missão: descobrir a realidade. As suas<br />
Farpas representam um esforço honesto de desmistificação da realidade que não foi<br />
igualado por nenhum dos seus contemporâneos, sobretudo, porque todos se deixaram<br />
dominar por uma mística.»<br />
Tem o autor vários ensaios sôbre os romances de Eça. Sôbre os romances, sôbre<br />
as caricaturas e os símbolos, sôbre os contos, as crónicas, os artigos e ainda sôbre as<br />
cartas. Crítica circunstanciada e esclarecedora. Padrão notável que ficará a marcar uma<br />
época. O condicionalismo em que viveu o escritor, o ambiente dos romances – tudo<br />
é considerado e julgado imparcialmente. Mas seria demasiado extenso se passasse a<br />
descrever do trabalho de Ramos de Almeida. Peor ainda se me alargasse às influências<br />
e ao estilo e à ironia e à sátira que o autor investiga com argúcia e minúcia. Apenas<br />
para finalizar me quero reflectir ao último capítulo.<br />
«Eça para além dos cem anos» é um capítulo formidável. Começa por historiar,<br />
à luz do materialismo dialéctico, o que êste ano de 1945 representa para a evolução<br />
da humanidade. «Para lá de tôdas as nebulosas mistificações que ainda restam, todos<br />
nós sentimos que neste ano de 1945, o Homem se voltou decididamente para o<br />
Futuro e que, apesar de todas as marras que ainda restam, cortou com o passado. A<br />
consciência humana venceu mais um interregno, cuja vigência demorava».<br />
Primeiro, a decomposição. «Cada vez mais devassa, mais decadente, mais pôdre,<br />
no uso sumptuário do seu poderio económico, político e social, a classe dominante<br />
acelerou desde o fim da guerra 14-18 – cujos resultados conseguiu ainda ludibriar e<br />
trair – a sua marcha para a falência e o fim.» Depois o clarear do novo dia. «A época<br />
das Ditaduras feneceu. Os Hitlers e os Mussolines, dois símbolos da tirania que saíram<br />
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