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A VIDA E A ARTE DE ANTÓNIO RAMOS DE ALMEID A - Câmara ...

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A Vida e a Arte de António Ramos de Almeida<br />

10<br />

de uma transformação civilizacional em processo de doloroso adiamento: “A Grande<br />

Guerra deveria ter posto fim a uma civilização, e não pôs; em nome dos mesmos<br />

valores que a desencadearam reuniram-se os representantes dos povos que fizerem<br />

a paz, a paz armada em que temos vivido. A velha civilização aí está!... Agravaram-se<br />

apenas os seus males, as suas mazelas e os seus vícios e nós os homens de hoje é que<br />

sofremos; por isso é sobre nós que pesa a missão de realizar aquilo que os outros<br />

não realizaram”. A linha de demarcação é, pois, muito nítida: “velhos são aqueles que<br />

ainda vivem do outro lado da grande guerra e os novos são os outros. A questão dos<br />

velhos e dos novos não é pois uma questão de idade, é uma questão de cultura e de<br />

sensibilidade”. Esta conclusão vai alimentar a robustez da argumentação polémica,<br />

tanto mais importante quanto o critério de legitimação das novas ideias será menos<br />

de ordem geracional do que de ordem ideológico-doutrinária. Entre os que são<br />

“conscientemente novos” e os que são “conscientemente velhos”, sublinha António<br />

Ramos de Almeida, “não pode haver solução de continuidade possível, porque nós<br />

não seremos apenas pacíficos sucessores, nem iremos sacrificar as nossas energias ao<br />

serviço de ideias e de valores que cheiram a podridão e a bafio”. O requinte polémico<br />

chega ao ponto de voltar, sem citá-los, contra o programático individualismo de<br />

matriz regiana, a ressonância de alguns famosos versos do “Cântico Negro” que<br />

poeticamente o configurara: “Não, meus senhores, nós não poderemos seguir jamais<br />

os vossos caminhos porque temos os nossos”.<br />

Um ano depois, é no jornal Humanidade que António Ramos de Almeida traça<br />

um “Panorama Literário da mocidade de Coimbra e a necessidade do revigoramento<br />

mental das novas gerações” 6 , ilustrado com um desenho de Fernando Namora.<br />

Nele encontramos a notícia da iminente publicação de Cadernos da Juventude, a<br />

experiência editorial que é o concentrado primitivo da autoconsciência desse grupo<br />

ainda inominado mas já ativo: “atualmente um núcleo de rapazes pretende começar<br />

uma nova campanha, abrir outra época na mocidade coimbrã. O que carateriza os<br />

rapazes de hoje é uma adesão profunda ao seu mundo, uma comunhão com as suas<br />

misérias e as suas virtudes, uma fuga dos subjetivismos doentios e sobretudo uma<br />

renúncia às esquisitices formais que foram o conteúdo de certa corrente da literatura<br />

contemporânea”. Não será excessivo sublinhar a referência à pretensão de “abrir uma<br />

outra época”, ou “uma nova era”, como escreve noutro passo.<br />

Revisitará esse ano-chave de 1937, vinte anos mais tarde, nestes termos: “só em<br />

1937, na verdade [...] foi que um grupo de jovens – profundamente interessados por<br />

uma literatura mais humanizada e por uma cultura consequente – se lançou abertamente<br />

não já somente numa simples querela de princípios com a «presença» mas na realização de novas<br />

obras que fossem buscar as suas raízes na vida do Povo e nas inquietações ideológicas,<br />

éticas, económicas e históricas que a Humanidade dramaticamente atravessava” 7 .<br />

6 António Ramos de Almeida, “Panorama Literário da mocidade de Coimbra e a necessidade do revigoramento mental das<br />

novas gerações” in Humanidade, nº 39, 4. Dezembro. 1937.<br />

7 Idem, “Rodapé quinzenal de crítica literária – O Homem Disfarçado de Fernando Namora” in Jornal de Notícias / Suplemento<br />

Literário, nº 221, 5.janeiro.1958.

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