A VIDA E A ARTE DE ANTÃNIO RAMOS DE ALMEID A - Câmara ...
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António Ramos de Almeida e o Brasil | valéria paiva<br />
elas seriam definidas por Joaquim Namorado 6 . E isso antes mesmo que os artigos<br />
de Namorado viessem à luz, confirmando a amizade que ligava os dois escritores e<br />
sugerindo também o papel deste último na organização de uma ação conjunta para a<br />
afirmação de um novo paradigma dentro do meio literário português. Assim mesmo,<br />
havia uma diferença em relação a Joaquim Namorado para a qual vale a pena chamar<br />
a atenção: é que, para Ramos de Almeida, o romance social brasileiro não era tão<br />
somente uma solução estética, ou um modelo de uma literatura humana em língua<br />
portuguesa. Seu caráter espontâneo e vivo, isto é, realista, tinha uma razão de ser que<br />
lhe importava explicar e que se explicava, para ele, em função da ausência de requinte<br />
como diferencial do novo mundo, desprovido do intelectualismo da velha Europa:<br />
“Quere dizer: o romance do Brasil não contém o requinte – teimo nesta palavra<br />
porque é significativa e precisa – mas em compensação possui outras forças ocultas<br />
que o dinamizam” 7 .<br />
O interesse pela história do Brasil – que permitiria, em última instância,<br />
compreender o caráter realista de sua moderna literatura – apareceria de maneira<br />
mais clara na análise da obra de José Lins do Rêgo. No Brasil, não haveria uma<br />
consciência de classe suficientemente desenvolvida que, correspondendo às<br />
diferentes posições sociais, permitisse encontrar, especialmente no caso da burguesia,<br />
as nuances de psicologia e cultura que encontrávamos nos personagens dos romances<br />
europeus, incluindo aí os romances portugueses. Os personagens dos romances<br />
brasileiros eram simples e bárbaros, e toda a problemática desses romances podia<br />
ser resumida às questões amorosas, à vivência de uma religiosidade mágica e à busca<br />
da liberdade como contrapartida de um sistema escravocrata formalmente abolido,<br />
mas socialmente vigente. O romance do Brasil não continha requinte, vale repetir,<br />
mas em compensação, devido às circunstâncias históricas e econômicas do país, tinha<br />
algo que os modernos romances europeus pareciam não ter – uma ânsia de liberdade,<br />
que era o sonho individual dos personagens centrais nele retratados e, para António<br />
Ramos de Almeida, dos próprios brasileiros.<br />
Nesses dois artigos publicados na revista Sol Nascente, em 1938, Ramos de<br />
Almeida opera com uma visão do fenômeno literário que, se não deixava de estabelecer<br />
uma relação causal entre estrutura e superestrutura enquanto esboço de uma teoria do<br />
romance, acabava paradoxalmente restringindo a noção de cultura à de consciência<br />
de classe e, se não é extrapolar demasiado, da classe burguesa: no Brasil, as diferenças<br />
sociais remetiam somente a degraus do ponto de vista econômico, os personagens<br />
dos romances brasileiros eram “simples, “bárbaros”... No mesmo sentido, afirmava,<br />
não existia entre Portugal e o novo romance brasileiro esse “[...] tabu de admiração<br />
que é o nos sentirmos retratados, analisados, sublimados esteticamente pelo talento<br />
e o gênio de um romancista” 8 . Apesar de sua condição peninsular, Portugal era visto<br />
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6 Nos referimos aos artigos de Joaquim Namorado, “Do neo-realismo: Amando Fontes”, publicado em O Diabo, N o 223, 31<br />
de dezembro de 1938; e “Do Neo-Romantismo: o sentido heroico da vida na obra de Jorge Amado”, Sol Nascente, Nº43-44,<br />
fevereiro-março de1940.<br />
7 Almeida, A. R., “O romance brasileiro através dos seus principais intérpretes, Jorge Amado”, opus cit., p. 7<br />
8 Almeida, A. R., “O Romance brasileiro contemporâneo, através dos seus principais intérpretes II, Amando Fontes e José<br />
Lins do Rêgo”, opus cit., p.7.