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A VIDA E A ARTE DE ANTÓNIO RAMOS DE ALMEID A - Câmara ...

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António Ramos de Almeida e a Livraria Latina Editora: contextos e dinâmicas | maria do rosário ramada pinho barbosa<br />

Ramos de Almeida tem, a seguir, uma bela observação acêrca do pouco vulto<br />

que tem o povo na obra de Eça. Eça viu a classe popular como um diplomata.<br />

Para ele o povo foi uma mera curiosidade.<br />

Torga chegou a dizer, condenando este alheamento, que havia salões a mais e<br />

suor a menos nos romances de Eça. Ramos de Almeida explica: as classes populares não<br />

tinham, ainda, consciência autónoma e conclui – «uma classe social só adquire expansão<br />

romanesca quando adquire consciência de classe».<br />

Noutro passo da sua obra, Ramos de Almeida pretende, cautelosamente, identificar<br />

a condessa de Govarinho com uma amante que Eça teria tido em New-Castle. É uma<br />

hipótese gratuita. Afirmar, em literatura, apoiado em meras presunções é perigoso<br />

e arriscado. A não ser que Ramos de Almeida tenha algum documento que ilumine a<br />

questão.<br />

Mais adiante o ensaísta, levado pelo tal vício de levantar hipóteses, aventura:<br />

«se Eça fôsse para Paris 10 ou 15 anos antes, talvez a sua obra tivesse tido outro rumo!»<br />

Por este processo até se podia imaginar o rumo da obra de Eça, se ele tivesse<br />

ido para Paris em 1940! O próprio Ramos de Almeida nota o deslise e interroga-se:<br />

«Mas para que criar hipóteses?...»<br />

É a pergunta que o leitor lhe faz. Construir hipóteses, a maior parte delas<br />

simples jôgo de raciocínio, pouco consistentes, não me parece o papel do crítico.<br />

Noutro capítulo, Ramos de Almeida perfilha a expressão de Castelo Branco<br />

Chaves que chama a atitude essencial de Eça – «espectatorismo», vincando que o<br />

romancista se sentou à margem da vida, enquanto ela passava. É uma expressão penetrante<br />

e singularmente feliz.<br />

Mas Ramos de Almeida, logo na página 163, tem uma ligeira contradição. Se Eça<br />

era um espectador irónico da vida, se Eça estava sentado á margem, se Eça não aderia,<br />

como é que ele: «sofria com a decadência que o cercava e o seu sofrimento se transformava em esperança<br />

que brotou no mais fundo da sua consciência?»<br />

Parece-me sofrimento demais!<br />

Eça apresentou-se, na verdade, como castigador da sociedade. Ele mesmo o<br />

diz em carta a Teófilo. Nós, porém, temos o direito de perguntar até que ponto Eça,<br />

nessa carta, pretendia justificar o Primo Basílio, e até que ponto essa carta representava<br />

uma atitude de verdadeira preocupação social. Em todo o caso, Eça devia sofrer pouco<br />

com a decadência que o cercava. Tudo o que não fôsse motivo artístico não o interessava<br />

grandemente. Mesmo algumas cartas a Oliveira Martins sôbre política, são cartas<br />

cintilantes, de indivíduo que se preocupa em ser cintilante e nada mais.<br />

Será prudente não complicar a personalidade de Eça, inventando um drama<br />

(a não ser as dramáticas contas do alfaiate!) na estética Queiroziana.<br />

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