A VIDA E A ARTE DE ANTÃNIO RAMOS DE ALMEID A - Câmara ...
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António Ramos de Almeida e a Livraria Latina Editora: contextos e dinâmicas | maria do rosário ramada pinho barbosa<br />
retemperar a alma triste, a alma chorosa, onde adormecer a antiga e secular ferida. O pouco<br />
cuidado nas transcrições prejudica igualmente a interpretação do segundo soneto de<br />
Tese e antítese em cujo último terceto que é assim:<br />
Combatei pois na terra árida e bruta<br />
Tê que a revolta a remoïnhar da luta<br />
Tê que a fecunde o sangue dos heróis!<br />
Aparece omitido o pronome a dos dois versos finais. Isto leva Ramos de<br />
Almeida a escrever: «A intolerância do ideal puro cedia lugar à voz que mandava<br />
combater até que se fecundasse o sangue dos heróis.»<br />
Aparte destes senões, que um maior cuidado na transcrição dos versos teria<br />
evitado, e que é de desejar não apareçam na segunda parte do trabalho, o estudo de<br />
Ramos de Almeida representa uma valiosa contribuïção para a compreensão da figura<br />
de Antero e do seu tempo” 18 .<br />
35<br />
O Primeiro de Janeiro<br />
“Ao noticiar o aparecimento dos dois primeiros tomos do ensaio biográfico-crítico<br />
«Antero de Quental», da autoria do sr. dr. António Ramos de Almeida, lamentamos o<br />
erro editorial que levara a fraccionar essa obra em cadernos, publicados com intervalos.<br />
Só agora apareceu o fim dêsse trabalho, reünindo num só tomo os dois cadernos de que<br />
deveria compôr-se. Com mais forte razão ainda, agora que podemos avaliar a magnitude<br />
da obra, lastimamos não ter sido publicada, como devia, em um só volume. Merecia-o<br />
a figura de Antero de Quental, sem par nas letras portuguesas; merecia-o, também, o<br />
notável estudo do sr. dr. Ramos de Almeida, completo, profundo e escrito com grande<br />
nobreza.<br />
Obra de investigação e de crítica, a cada passo documentada com pensamentos<br />
e afirmações de Antero, tirados dos seus poemas, dos seus artigos, das cartas aos<br />
amigos, é, sob êsse aspecto, modelar, tal a arte com que o autor soube engastar<br />
essas gemas preciosas no oiro fino do seu estilo. O esfôrço, porém, do autor em<br />
compreender e fazer compreender a figura complexa do pensador, em explicar as<br />
suas atitudes, em esclarecer pontos que uma crítica ignorante ou malévola deixara<br />
obscuros, sobrepassa tudo o mais do seu trabalho.<br />
A biografia do escritor Antero de Quental, aliás rigorosa nas datas, nos<br />
pormenores, em tudo quanto é do domínio da história, quási se anula ante êsse<br />
propósito de revelação do Homem, na sua grandiosa personalidade. O Santo laico<br />
encontrou o panegerista à sua medida. Era preciso ser poeta, como o autor, para<br />
captar as ressonâncias profundas dos «Sonetos» magníficos; era preciso ser um<br />
18 Seara Nova. Lisboa, ano XXII, n.º 839 (11 de setembro de 1943) p. 43-44.