09.11.2014 Views

A VIDA E A ARTE DE ANTÓNIO RAMOS DE ALMEID A - Câmara ...

A VIDA E A ARTE DE ANTÓNIO RAMOS DE ALMEID A - Câmara ...

A VIDA E A ARTE DE ANTÓNIO RAMOS DE ALMEID A - Câmara ...

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

A Vida e a Arte de António Ramos de Almeida<br />

68<br />

esse ambiente de miséria e preconceito acabava paradoxalmente por constituir um<br />

dispositivo que permitia ao herói romancesco reagir contra a situação a que estava<br />

submetido. Nesse sentido, concluía ele: “Jorge Amado dá-nos em toda a sua obra<br />

aquilo que um jovem crítico português chamou muito bem: sentido heroico da vida.<br />

As misérias, as desgraças, a dor, não esmagam o homem mas sim são a mola essencial<br />

do sonho que os eleva e liberta” 3 .<br />

Em Os Corumbas, romance de estreia de Amando Fontes, somos apresentados a<br />

uma família que migra do interior à capital do estado de Alagoas buscando escapar da<br />

miséria. Como tragédia, todo esforço dos personagens para melhorar de vida era inútil<br />

porque, indo de encontro a forças desconhecidas, sua ação acabaria levando-os, ao final<br />

do romance, a uma situação ainda mais degradante que a inicial. Não estaríamos, pois,<br />

diante de uma história carregada de poesia e em que os personagens eram arrastados<br />

pelo sonho, como em Jorge Amado, diria António Ramos. Ainda que as personagens<br />

de Amando Fontes tivessem aquela porção de esperança necessária à vida, como<br />

qualquer ser humano, o que ressaltava em seu romance era a crua objetividade e a<br />

extrema imparcialidade com que narrava a história: “Amando Fontes não toma parti-pris<br />

frente aos seus personagens, não os favorece, não os precipita, deixa-os viver através<br />

de suas páginas tão naturalmente como na vida, abandonados às circunstâncias e às<br />

emergências do cotidiano” 4 .<br />

José Lins do Rêgo, cujo romance de estreia – Menino de Engenho, de 1932 – havia<br />

chegado às mãos de Ramos de Almeida já em 1933, era provavelmente o autor mais<br />

representativo dos romances cíclicos em voga no Brasil e talvez o mais sociológico<br />

dentro os novos romancistas, ao assumir o Nordeste como seu grande personagem<br />

e retratar, no ciclo da cana de açúcar, a decadência de toda uma forma de vida, como<br />

consequência da passagem do engenho à usina. Ademais, para Ramos de Almeida, em<br />

José Lins era claramente percetível uma caraterística presente, no entanto, em todos os<br />

romances e romancistas novos do Brasil, qual seja que as diferenças sociais remetiam<br />

aí a degraus do ponto de vista econômico, sem que chegasse a haver uma verdadeira<br />

diferenciação de classes no sentido cultural, como a que existia na Europa. Nesse<br />

sentido, todos os personagens “[...] vivem sem verdadeiros abismos, sem diferenças<br />

subtis de psicologia ou de cultura, sem as lutas de antagonismo latente e profundo<br />

que se verificam nas consciências de classe do velho mundo. Tudo é apenas uma<br />

diferenciação de posição social, mas onde só existem os degraus do econômico” 5 .<br />

De maneira explícita, no caso de Jorge Amado, e implícita, no de Amando<br />

Fontes, vê-se como António Ramos faria uso, nesses textos – como continuaria<br />

fazendo, anos depois –, das noções de neorromantismo e neorrealismo, tal como<br />

3 Almeida, António Ramos de. “O romance brasileiro através dos seus principais intérpretes, Jorge Amado”, Sol Nascente,<br />

N o 31, 15 de agosto de 1938, p. 7.<br />

4 Almeida, António Ramos de. “O Romance brasileiro contemporâneo, através dos seus principais intérpretes II, Amando<br />

Fontes e José Lins do Rêgo”, Sol Nascente, N o 32, 1o de dezembro de 1938, p. 6.<br />

5 Idem, ibidem, p. 7.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!