A VIDA E A ARTE DE ANTÃNIO RAMOS DE ALMEID A - Câmara ...
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A Vida e a Arte de António Ramos de Almeida<br />
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esse ambiente de miséria e preconceito acabava paradoxalmente por constituir um<br />
dispositivo que permitia ao herói romancesco reagir contra a situação a que estava<br />
submetido. Nesse sentido, concluía ele: “Jorge Amado dá-nos em toda a sua obra<br />
aquilo que um jovem crítico português chamou muito bem: sentido heroico da vida.<br />
As misérias, as desgraças, a dor, não esmagam o homem mas sim são a mola essencial<br />
do sonho que os eleva e liberta” 3 .<br />
Em Os Corumbas, romance de estreia de Amando Fontes, somos apresentados a<br />
uma família que migra do interior à capital do estado de Alagoas buscando escapar da<br />
miséria. Como tragédia, todo esforço dos personagens para melhorar de vida era inútil<br />
porque, indo de encontro a forças desconhecidas, sua ação acabaria levando-os, ao final<br />
do romance, a uma situação ainda mais degradante que a inicial. Não estaríamos, pois,<br />
diante de uma história carregada de poesia e em que os personagens eram arrastados<br />
pelo sonho, como em Jorge Amado, diria António Ramos. Ainda que as personagens<br />
de Amando Fontes tivessem aquela porção de esperança necessária à vida, como<br />
qualquer ser humano, o que ressaltava em seu romance era a crua objetividade e a<br />
extrema imparcialidade com que narrava a história: “Amando Fontes não toma parti-pris<br />
frente aos seus personagens, não os favorece, não os precipita, deixa-os viver através<br />
de suas páginas tão naturalmente como na vida, abandonados às circunstâncias e às<br />
emergências do cotidiano” 4 .<br />
José Lins do Rêgo, cujo romance de estreia – Menino de Engenho, de 1932 – havia<br />
chegado às mãos de Ramos de Almeida já em 1933, era provavelmente o autor mais<br />
representativo dos romances cíclicos em voga no Brasil e talvez o mais sociológico<br />
dentro os novos romancistas, ao assumir o Nordeste como seu grande personagem<br />
e retratar, no ciclo da cana de açúcar, a decadência de toda uma forma de vida, como<br />
consequência da passagem do engenho à usina. Ademais, para Ramos de Almeida, em<br />
José Lins era claramente percetível uma caraterística presente, no entanto, em todos os<br />
romances e romancistas novos do Brasil, qual seja que as diferenças sociais remetiam<br />
aí a degraus do ponto de vista econômico, sem que chegasse a haver uma verdadeira<br />
diferenciação de classes no sentido cultural, como a que existia na Europa. Nesse<br />
sentido, todos os personagens “[...] vivem sem verdadeiros abismos, sem diferenças<br />
subtis de psicologia ou de cultura, sem as lutas de antagonismo latente e profundo<br />
que se verificam nas consciências de classe do velho mundo. Tudo é apenas uma<br />
diferenciação de posição social, mas onde só existem os degraus do econômico” 5 .<br />
De maneira explícita, no caso de Jorge Amado, e implícita, no de Amando<br />
Fontes, vê-se como António Ramos faria uso, nesses textos – como continuaria<br />
fazendo, anos depois –, das noções de neorromantismo e neorrealismo, tal como<br />
3 Almeida, António Ramos de. “O romance brasileiro através dos seus principais intérpretes, Jorge Amado”, Sol Nascente,<br />
N o 31, 15 de agosto de 1938, p. 7.<br />
4 Almeida, António Ramos de. “O Romance brasileiro contemporâneo, através dos seus principais intérpretes II, Amando<br />
Fontes e José Lins do Rêgo”, Sol Nascente, N o 32, 1o de dezembro de 1938, p. 6.<br />
5 Idem, ibidem, p. 7.