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A VIDA E A ARTE DE ANTÓNIO RAMOS DE ALMEID A - Câmara ...

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A Vida e a Arte de António Ramos de Almeida<br />

16<br />

A arte pertence, pois, ao dispositivo de integração da cultura. Subverte na<br />

medida exata em que constrói, todo o ímpeto subversivo está inscrito no sentido da<br />

sua finalidade, no conceito da sua integração numa visão global do mundo.<br />

Assim, pode afirmar-se que a arte é um discurso ideológico insubstituível e<br />

que a polémica arte pura / arte social é, simplesmente, uma querela: “toda a arte é<br />

simultaneamente pura e social. Pura, na medida em que é expressão estética sincera,<br />

espontânea e livre de uma consciência humana [...] Social, não só por ser o homem<br />

um ser social – mas na medida em que nos revela a relação desse homem com outros<br />

homens e, sobretudo, na medida em que o artista, como ser social que é, exprime<br />

os dramas sociais, políticos e morais da sociedade de que faz parte, colocando-se na<br />

posição do grupo a que pertence” 26 .<br />

É no quadro desta compreensão alargada da inscrição social do processo artístico<br />

que vai decorrer a intensa atividade de António Ramos de Almeida. Na avaliação<br />

retroativa que dela podemos fazer agora, é possível reconhecer as consequências de<br />

uma certa “dispersão” 27 . Não estou certo de que seja a palavra adequada. Sobreveio<br />

a António Ramos de Almeida, inadiável, aquela mesma urgência que consumiu um<br />

Mário Sacramento: o imperativo (a um tempo cultural, político e artístico) de intervir<br />

em várias áreas particularmente sensíveis para o projeto de vida que tornaram seu.<br />

No caso de António Ramos de Almeida, pode dizer-se que esse projeto de vida<br />

tem três desdobramentos fundamentais: uma intuição poética do mundo; a inserção<br />

da transformação materialista da consciência intelectual portuguesa na nossa própria<br />

história cultural e política; a valorização da mediação cultural e da intervenção regular no<br />

espaço público. Além do sempre inacabado processo de aproximação luso-brasileira, de<br />

que António Ramos de Almeida é um dos grandes pioneiros e sobre o qual a Doutora<br />

Valéria Paiva escreve neste volume.<br />

O poeta António Ramos de Almeida apresentou-se publicamente, em 1938,<br />

com um pequeno livro de poemas intitulado Sinal de Alarme. Prestar atenção a obras<br />

como esta – mas há outras: Sedução de José Marmelo e Silva, publicada em Coimbra<br />

pela Livraria Portugália de Augusto dos Santos Abranches em 1937 28 ; Ilusão da Morte<br />

de Afonso Ribeiro, novelas publicadas em 1938 – é uma condição imprescindível para<br />

recontextualizar a génese do neorrealismo.<br />

No caso de António Ramos de Almeida, quer esse Sinal de Alarme, quer Sinfonia da<br />

Guerra, de 1939 (com prefácio e posfácio de Rodrigo Soares e de Joaquim Namorado,<br />

respetivamente), quer mesmo o longo poema de amor intitulado Sêde, editado em<br />

26 Idem, ibidem, p. 58-59.<br />

27 Uma nota não-assinada destaca, em Vértice (vol. XXI (1961), p. 210), o contributo de António Ramos de Almeida para a<br />

afirmação do neorrealismo e para a formação de uma verdadeira comunidade luso-brasileira. Mas observa que a obra legada<br />

“ressente-se da dispersão e de uma certa falta de amadurecimento”.<br />

28 No Jornal de Notícias / Suplemento Literário, nº1, 22. fevereiro. 1953, num dos “Perfis indiscretos”, consagrado a Afonso<br />

Duarte, António Ramos de Almeida evoca os tempos em que “surgimos na liça, o Marmelo e Silva, com «Sedução» e eu<br />

com «Sinal de Alarme», em 1937, e pouco depois, Fernando Namora e João José Cochofel, respetivamente com «Relevos»<br />

e «Instantes»”.

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