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Dignidade e Autonomia Individual no Final da Vida - Emerj

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Essa postura legislativa e doutrinária pode produzir consequências<br />

graves, pois, ao oferecer o mesmo tratamento jurídico<br />

para situações distintas, o paradigma legal reforça condutas de<br />

obstinação terapêutica e acaba por promover a distanásia. Com<br />

isso, endossa um modelo médico paternalista, que se fun<strong>da</strong> na<br />

autori<strong>da</strong>de do profissional <strong>da</strong> medicina sobre o paciente e descaracteriza<br />

a condição de sujeito do enfermo. Ain<strong>da</strong> que os médicos<br />

não mais estejam vinculados eticamente a esse modelo superado<br />

de relação, o espectro <strong>da</strong> sanção pode levá-los a adotá-lo. Não<br />

apenas manterão ou iniciarão um tratamento indesejado, gerador<br />

de muita agonia e padecimento, como, por vezes, adotarão algum<br />

não recomen<strong>da</strong>do pela boa técnica, por sua desproporcionali<strong>da</strong>de.<br />

A arte de curar e de evitar o sofrimento se transmu<strong>da</strong>, então,<br />

<strong>no</strong> ofício mais rude de prolongar a vi<strong>da</strong> a qualquer custo e sob<br />

quaisquer condições. Não é apenas a auto<strong>no</strong>mia do paciente que é<br />

agredi<strong>da</strong>. A liber<strong>da</strong>de de consciência do profissional <strong>da</strong> saúde pode<br />

também estar em xeque 21 .<br />

A Resolução CFM nº 1.805/2006, de 9.11.2006, edita<strong>da</strong> pelo<br />

Conselho Federal de Medicina, procurou contornar as deficiências<br />

e insuficiências de um Código Penal cuja parte especial é <strong>da</strong> déca<strong>da</strong><br />

de 40 do século passado. Nessa linha, invocando sua função<br />

disciplinadora <strong>da</strong> classe médica, bem como o art. 5º, III <strong>da</strong> Constituição,<br />

pretendeu <strong>da</strong>r suporte jurídico à ortotanásia. Sem menção<br />

à eutanásia e ao suicídio assistido – que continuam a ser conside-<br />

Penal. Parte Especial. V. 2. São Paulo, Saraiva, 2003, p. 34. BITENCOURT, Cezar Roberto.<br />

Tratado de Direito Penal. Parte Especial. V. 2. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 58. Sobre as<br />

privilegiadoras e qualificadoras, SANTOS, Juarez Ciri<strong>no</strong>. A moderna teoria do fato punível.<br />

4. ed., rev. e ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. DODGE, Raquel Elias Ferreira. “Eutanásia:<br />

aspectos jurídicos. Bioética”. Brasília: Conselho Federal de Medicina. Disponível<br />

em: http://www.portalmedico.org.br/revista/ bio1v7/eutaspectos.htm. Acesso em: maio<br />

2006. BRASIL. Ministério Público Federal -1ª Reg. Recomen<strong>da</strong>ção 01/2006 - WD - PRDC. Disponível<br />

em: www.prdf.mpf.gov.br/prdc/legis/docs/exfile.2006-11-21.7242563592/attach/<br />

REC%2001-2006%20CFM.pdf. Acesso em: 25 <strong>no</strong>v. 2006.<br />

21<br />

Quanto ao cui<strong>da</strong>do paliativo de duplo efeito, a situação é ain<strong>da</strong> pior, por razões <strong>no</strong>tórias.<br />

Se um médico for autorizado pelo enfermo a lançar mão dessa técnica, poderá abreviar<br />

seu tempo de vi<strong>da</strong>. Se o mundo jurídico não oferecer amparo seguro a essa ação, o temor<br />

de cometer um crime pode ensejar o uso de dosagens medicamentosas me<strong>no</strong>res do que<br />

o necessário para aplacar o imenso sofrimento físico e psicológico <strong>da</strong>queles que estão <strong>no</strong><br />

leito de morte.<br />

28<br />

Revista <strong>da</strong> EMERJ, v. 13, nº 50, 2010

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