Prosa - Academia Brasileira de Letras
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Entre Kafka e Hei<strong>de</strong>ggerambígua; ela é uma construção <strong>de</strong>ntro da ambiguida<strong>de</strong>. A ambiguida<strong>de</strong> maiscentral é aquela relacionada à porta para <strong>de</strong>ntro e fora da construção, à portaque é a mesma para entrar e sair.O animal narrador-escritor-raciocinante-racionalizador constrói sem <strong>de</strong>scanso,a fim <strong>de</strong> assegurar a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> saída e, ao mesmo tempo, evitar aentrada <strong>de</strong> outros animais, a entrada do outro. Em sua incansável construção,em sua narrativa literária, o construtor aparece como um prisioneiro <strong>de</strong> suaprópria construção. Se construções testemunham a presença <strong>de</strong> uma alma eassim <strong>de</strong> um certo tipo <strong>de</strong> transformação que tanto obe<strong>de</strong>ce como <strong>de</strong>sobe<strong>de</strong>cea natureza, e se esse testemunho construtivo atesta, por sua vez, liberda<strong>de</strong>, noentendimento mo<strong>de</strong>rno <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> como liberda<strong>de</strong> da natureza, como técnica,então esse animal narra a sua prisão na liberda<strong>de</strong>. O construtor técnico éum prisioneiro <strong>de</strong> sua liberda<strong>de</strong>. E, ainda, se liberda<strong>de</strong> significa soberania parao controle, esse animal narra sobre o ser controlado pelo seu próprio <strong>de</strong>sejo<strong>de</strong> controle e <strong>de</strong> exercer po<strong>de</strong>r. Ele narra o ser um impotente escravo <strong>de</strong> seupróprio po<strong>de</strong>r. Sem mundo em seu próprio mundo, controlado pelo seu própriocontrole, impotente em seu próprio po<strong>de</strong>r, não possuindo nenhum meiono mundo que não seja um intermediário <strong>de</strong> si mesmo (no conto, o animalnem sequer usa ferramentas, pois usa sua própria testa como ferramenta universal),alterando tudo para tudo permanecer inalterado, não confiando emninguém, nem em algum amado e nem em algum <strong>de</strong>us por se fiar apenas a simesmo, esse animal narrador-escritor-raciocinante-racionalizador é um nãoser em seu próprio ser.Na conferência intitulada I<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e Diferença, Hei<strong>de</strong>gger discute a constelaçãoque “hoje” rege a relação entre homem e ser. “Constelação <strong>de</strong> sere homem” é uma expressão tardia <strong>de</strong> Hei<strong>de</strong>gger para discutir a questão dafacticida<strong>de</strong>, esse “já ser sempre <strong>de</strong>ntro”, wir sind schon da. Hei<strong>de</strong>gger <strong>de</strong>screveessa constelação como Bau, como uma construção, entendida como essênciada técnica mo<strong>de</strong>rna, como Ge-stell. Nessa leitura, Hei<strong>de</strong>gger quer mostrar queGe-stell (enquadramento, armação), a essência da técnica mo<strong>de</strong>rna é um prelúdiopara o Er-eignis, para o acontecer apropriador <strong>de</strong> ser como tal. Enquantoo perigo mais perigoso, por ser possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> total <strong>de</strong>struição, <strong>de</strong> total253