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Prosa - Academia Brasileira de Letras

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Marcia Sá Cavalcante Schubackliteralida<strong>de</strong> do que à palavra falada. Sua oposição é ainda mais radical porqueemerge <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro da literalida<strong>de</strong> da palavra escrita. Literatura é essencialmenteluta. É luta bem antes <strong>de</strong> tornar-se engajada. Literatura é rebelião ao seu elemento<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro do elemento. É a emergência <strong>de</strong> um novo sentido <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro<strong>de</strong> um sentido fechado e rígido, <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um sentido sem saída, sem foras.Esse rígido elemento <strong>de</strong> literalida<strong>de</strong> – sentidos literais – nutre-se ele mesmoda capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dizer no presente o que já foi dito. Ao lermos uma linha,quer escrita há mil anos atrás ou há um minuto atrás –, lemos no presente, eo já dito faz-se presente e por vezes até faz-se presença. Isso explica por queo elemento rígido <strong>de</strong> literalida<strong>de</strong> está muito próximo <strong>de</strong> um outro elementorígido e fechado, que é o elemento <strong>de</strong> uma “vida nas letras”, no sentido emque falamos <strong>de</strong> um “homem <strong>de</strong> letras”, do “letrado”, da linguagem escrita,quando língua escrita significa erudição, intelectualismo – os monumentos ea monumentalida<strong>de</strong> do já ter sido dito, da repetição, da citação. As bibliotecas<strong>de</strong> Borges! O homem que não consegue esquecer <strong>de</strong> Nietzsche! Contudo,literatura não é nem a medianida<strong>de</strong> da literalida<strong>de</strong> e nem a futilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> “umavida das letras”. Pois a Literatura faz aparecer no já dito, no já ter sido dito omodo <strong>de</strong> se dizer, o acontecer do dizer. A Literatura diz o dizer. Na Literatura,torna-se aparente que o acontecimento exibe seu próprio acontecer semmetáforas. A Literatura mostra o acontecer do dizer dizendo os acontecimentos,sendo assim radical ambiguida<strong>de</strong>. A Literatura mostra o aparecer comoa palavra da realida<strong>de</strong>. Por isso, é impossível para a literatura admitir quehaja palavra <strong>de</strong> um lado e realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> outro. O conto <strong>de</strong> Kafka, A construçãorevela a literatura em sua luta própria. Desejando controlar todo acontecimento,a construção mostra ambiguamente que essa tentativa <strong>de</strong> controlar éela mesma um acontecimento. O <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> controlar todo acontecer é tragicamente,perigosamente, ele mesmo, um acontecer. Nas <strong>de</strong>scrições <strong>de</strong> Kafka,nas suas distopias, discronias, <strong>de</strong>scentralizações, <strong>de</strong>sterritorializações, todasessas experiências e elementos angustiantes <strong>de</strong>screvem não apenas as expressõeskafkianas <strong>de</strong> nossa realida<strong>de</strong> política e burocrática, mas o acontecernu e cru <strong>de</strong> um acontecer. Ler esse mostrar ru<strong>de</strong>, nu, cru do acontecerdo acontecer é muito difícil porque nenhuma metáfora, nenhuma analogia,258

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