11.07.2015 Views

Prosa - Academia Brasileira de Letras

Prosa - Academia Brasileira de Letras

Prosa - Academia Brasileira de Letras

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Marcia Sá Cavalcante Schubacklogo haverá <strong>de</strong> mostrar-se como o tempo mais estranho no conto, uma vezque o tempo predominante na narrativa é o tempo presente. 4 E isso porquea construção acabada é, na verda<strong>de</strong>, uma construção que não cessa e nãose cansa <strong>de</strong> construir, mudando e renovando a construção, a fim <strong>de</strong> assegurare preservar a construção. A construção é um estar em construção, é umem se construindo. 5 Esse em-construção, em-se-construindo indica, ainda,o paradoxo <strong>de</strong> já se estar <strong>de</strong>ntro da construção para ser possível a<strong>de</strong>ntrara construção. Como po<strong>de</strong>mos ler no começo do conto: “Por fora, é visívelapenas um buraco, mas, na realida<strong>de</strong>, ele não leva a parte alguma, <strong>de</strong>pois<strong>de</strong> poucos passos já se bate em firme rocha natural. [...] A uns mil passos<strong>de</strong> distância <strong>de</strong>ssa cavida<strong>de</strong> localiza-se, coberta por uma camada removível <strong>de</strong>musgo, a verda<strong>de</strong>ira entrada da construção, [...]”. 6 A verda<strong>de</strong>ira entrada não éo buraco. O buraco apenas cobre e encobre a entrada. É que a entrada precisaser camuflada para que se possa proteger a construção, “ela está tão seguraquanto algo no mundo po<strong>de</strong> ser seguro” contra invasões e ataques externos;“existem muitos que são mais fortes do que eu e meus adversários são incontáveis;po<strong>de</strong>ria acontecer que, fugindo <strong>de</strong> um inimigo, eu caísse nas garras <strong>de</strong>outro”. 7 De fato, a construção aparece como a mais vulnerável e, portanto,como o que precisa ser continuamente protegida – gerúndios. O construtor,o autor, “não tenho uma hora <strong>de</strong> completa tranquilida<strong>de</strong>”, sendo vulnerávelnesse “ponto escuro do musgo”, vendo em sonhos “um focinho lúbrico”. Oconstrutor diz, no entanto, que não é por medo que a construção está sendofeita. É por falta <strong>de</strong> tranquilida<strong>de</strong>, por um sentimento <strong>de</strong> estar sendo continuamenteameaçado, que surge a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> assegurá-la. A construção faz-sepor uma necessida<strong>de</strong> incontrolável <strong>de</strong> controlar cada parte e espaço da construçãoe <strong>de</strong> evitar que todo elemento estranho, que toda alterida<strong>de</strong>, a<strong>de</strong>ntre a4Cf. o comentário <strong>de</strong> J. M. Coetzee sobre o uso do tempo presente nesse conto <strong>de</strong> Kafka em “Time,tense and aspect in Kafka’s The Burrow”. In: MLN, Vol. 96, N o . 3, German Issue (Apr., 1981), pp.556-579, versão digital http://research.uvu.edu/Albrecht-Crane/3090/links_files/Coetzee.pdf5Cf. a música <strong>de</strong> Chico Buarque chamada A construção.6Ibi<strong>de</strong>m, trad. bras. p. 63.7Ibi<strong>de</strong>m, pp. 64-65.246

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!