Prosa - Academia Brasileira de Letras
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Entre Kafka e Hei<strong>de</strong>ggerconstrução. O construtor vive <strong>de</strong>ntro da construção, ameaçado tanto por inimigosexternos como por inimigos internos, provindo dos confins da Terra.A construção só possui uma entrada e saída: o <strong>de</strong>sespero do construtor é quea entrada <strong>de</strong> outros, sejam os outros <strong>de</strong> fora ou os outros <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro, <strong>de</strong>ve serevitada ao mesmo tempo que a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma saída para o construtor<strong>de</strong>ve ser assegurada, em caso <strong>de</strong> ataque. Contudo, entrada e saída são a mesma– toda porta é o paradoxo <strong>de</strong> ser, ao mesmo tempo e <strong>de</strong> uma só vez, entradae saída. O paradoxo da porta expressa a iminência terrível <strong>de</strong> um perigo porvir, que não <strong>de</strong>ixa o construtor ter nenhum momento <strong>de</strong> tranquilida<strong>de</strong>. Alémda entrada, há um outro elemento gerador <strong>de</strong> muita angústia. Trata-se do centroda construção que coloca a questão <strong>de</strong> como assegurar provisões para sesobreviver <strong>de</strong>ntro da construção. Ambas as questões: a questão da porta – evitarentrada <strong>de</strong> qualquer outro, assegurando ao mesmo tempo a saída – e a questãodo centro – sobreviver <strong>de</strong>ntro, ou seja, sobreviver sem o fora – obrigam o construtorà construção contínua, gerundial e incansável. Temos aqui um resumomuito sumário da primeira parte <strong>de</strong>sse conto <strong>de</strong> Kafka on<strong>de</strong> a construção estásendo <strong>de</strong>scrita <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro.Na segunda parte do conto, o construtor sai da construção, vai para fora,a<strong>de</strong>ntra o aberto <strong>de</strong> fora. Todavia, o aberto é para ele tão somente a possibilida<strong>de</strong><strong>de</strong> olhar <strong>de</strong> fora para o buraco, <strong>de</strong> modo a investigar soluções maisseguras para os seus dilemas. Na segunda parte, a construção é <strong>de</strong>scrita <strong>de</strong>fora. Esse fora da construção é narrado como um Oberwelt, um mundo acimae aberto relativamente à construção, chamada agora <strong>de</strong> Unterwelt, um mundo<strong>de</strong>baixo, subterrâneo, fechado <strong>de</strong>ntro da Terra. O fora, o acima, o aberto, essestermos compõem antes a geografia do outro do que a construção, mas que étão somente o lugar para se observar a construção com vistas a assegurar a suaabsoluta interiorida<strong>de</strong> e imanência. A construção aparece como o paradoxo <strong>de</strong>um <strong>de</strong>ntro que está fora e um fora que está <strong>de</strong>ntro.Na terceira parte do conto, o construtor volta para <strong>de</strong>ntro da construção.A construção é a Odisseia <strong>de</strong> Kafka. Nesta parte, o pronome “tu”, um“tu” muito estranho, expresso tanto no singular como no plural “vós”, Due Euch pronuncia-se pela primeira vez. O construtor chama agora <strong>de</strong> “tu” a247