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Prosa - Academia Brasileira de Letras

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A liturgia não canônica do Livro das horas <strong>de</strong> Nélida Piñonfazendo compras do trivial variado na Cobal <strong>de</strong> Humaitá, em Botafogo. Dizque percorreu as lojas <strong>de</strong> frutas e legumes, o vinho <strong>de</strong> Sr. Aníbal, acompanhada<strong>de</strong> Júlio. No turbilhão das fantásticas ocorrências do seu aqui e agora,novos fragmentos entremeiam-se neste Künstlerroman <strong>de</strong> autoria feminina. Enão mais que <strong>de</strong> repente entre cintilações meteóricas, aparece “Andrômena,a que amava Heitor, engolfada no torvelinho da guerra”. (p. 182) Contudo,sem aviso ou sinal, trocam-se a cena e o enredo. No palco textual estão Capitu,Guinevere, Madame Bovary e <strong>de</strong>mais mulheres sedutoras ou adúlteras.Entre as velozes lembranças do pêndulo dos dias, o eu ficcional proclamaque “terminar um livro é um ato <strong>de</strong> bravura e solidão”. (p. 131) No burburinhodo “real fingido”, expressão assim cunhada por Eduardo Portella noprefácio, mais surpresas há, misturadas a tramas filosóficas. Revela, então,ser “peregrina sem ilusões” (p. 130), e, além ou antes, exalta a arte e o ofícioliterário, os anos para apren<strong>de</strong>r a escrever, leituras e passeios por mares doespírito. Aventureira, já até andou no tapete mágico do Oriente ao escreverVozes do <strong>de</strong>serto, vestiu os véus <strong>de</strong> Schereza<strong>de</strong>, um dos seus muitos alter egos, eviajou no navio <strong>de</strong> Simbad. Com as velas abertas a sensações na velocida<strong>de</strong>interna do pensamento, a narrativa vai-se inflando no torvelinho <strong>de</strong> evocaçõessem conta.Repentinamente sem transição, aparece Gravetinho, o cãozinho <strong>de</strong> perninhasbailarinas, seu acendrado afeto e alegria, várias vezes citado nas horasatuais e também presente em Coração andarilho e em Aprendiz <strong>de</strong> Homero, no qualhá até seu retrato na “orelha” do livro abraçado a Nélida. Mas não param aírealida<strong>de</strong>s e lembranças. Revivendo emoções passadas, o eu narrativo fala dacasa <strong>de</strong> Teresópolis e, mais à frente ou em folhas antes, rememora a amigaCarmen Balcells, a “interlocutora permanente” que mora na Espanha, a quem<strong>de</strong>dicou Coração andarilho. Noutros excertos, diz-se “habitada por mitos quecomem com ela à mesa”. E, na surrealista imaginação <strong>de</strong> artista, afirma serem“funâmbulos eles, viajam, e eu os sigo, para não perdê-los”. (p. 119)Em tom salmódico, a misturar recortes culturais, entoa preces à vida, emboraa morte, com as <strong>de</strong>spedidas da tar<strong>de</strong>, marque presença em vários ensaios.Num mais tocante, escava a alma humana e <strong>de</strong>screve o quadro antológico do179

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