Prosa - Academia Brasileira de Letras
Prosa - Academia Brasileira de Letras
Prosa - Academia Brasileira de Letras
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
O locus eroticus na poesia <strong>de</strong> Gilka Machado“Ao ler-lhe as rimas cheirando ao pecado, toda a gente supôs que estas subiamdos subterrâneos escuros <strong>de</strong> um temperamento, quando elas, na realida<strong>de</strong>,provinham do alto das nuvens <strong>de</strong> ouro <strong>de</strong> uma bizarra imaginação.” (314)Campos cita Henrique Pongetti, que escreveu num ensaio em 1930 que,para aqueles que, “lhe conhecem a intimida<strong>de</strong>, [Gilka é] a mais virtuosa dasmulheres e a mais abnegada das mães”. (315)O que estes comentários nos dizem é que os <strong>de</strong>fensores <strong>de</strong> Gilka se sentiamtão pouco confortáveis com seu erotismo como seus críticos mais virulentos.A<strong>de</strong>mais, ao <strong>de</strong>screver seu erotismo como espiritualizado – em vez <strong>de</strong> humanoe carnal –, Ribeiro ajudou a <strong>de</strong>cidir-lhe para sempre o <strong>de</strong>stino <strong>de</strong> ser classificadacomo simbolista. Mas qualquer pessoa que leia Gilka Machado sabe que suapoesia erótica não é espiritualizada – a não ser que se consi<strong>de</strong>re a rapsódia sexuale o êxtase orgásmico como estados místicos. O fato que ela escreveu sobre umerotismo feminino tornou-a voz única na literatura brasileira na primeira partedo século XX. Esta é a razão por que ela foi excluída do cânone e por que agoraela é o foco <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rável análise feminista e revisionista. 1Neste estudo, quero ir além dos comentários <strong>de</strong> Gilka Machado comopoetisa erótica, e que são na maior parte generalizados, para focalizar apoesia em si e, mais especificamente, o papel da natureza na sua obra. Paradoxalmente,o que seus <strong>de</strong>fensores como Ribeiro e Grieco não perceberamfoi o fato que Gilka estava re-elaborando certas convenções clássicas ligadasao poeta, ao amor e à natureza às quais se dá o nome <strong>de</strong> locus amoenus.A poesia <strong>de</strong> Gilka oferece um conceito totalmente novo e original da naturezacomo locus eroticus e estímulo para uma lírica antitradicional na qualuma voz feminina <strong>de</strong>screve as emoções e os atos associados com um amorfísico <strong>de</strong>senfreado. Ao contrário <strong>de</strong> outros autores mo<strong>de</strong>rnistas, Gilka Machadonos mostra um diferente tipo <strong>de</strong> natureza – uma natureza mais pagãe animista cujas implicações são freudianas em vez <strong>de</strong> espirituais – e é issoque a distingue dos simbolistas. Na poesia <strong>de</strong> Gilka, a natureza não só1Veja, por exemplo, os estudos <strong>de</strong> Cristina Ferreira-Pinto e Sylvia Paixão.239